terça-feira, 23 de julho de 2013

As Grandes Manifestações como um Filme no


[filme manifesta ação]
ou
[sonho lúcido da razão]
[*]

[onde dois ou mais estiverem, aí eu também estarei]
A tática utilizada pela policia militar para conter as grandes manifestações contra o aumento da tarifa de ônibus, na cidade de São P., foi a mais revolucionária já vista. Depois de um ápice de brutalidade, que reverteu a opinião pública a favor dos manifestantes: os policiais simplesmente sumiram... Quem marchou pelas ruas naqueles dias pode sentir o estranhamento de substituir os carros no fluxo [eterno] de automóveis: todos caminhando e cantando juntos, olhando uns pelos outros num mar de gente, como se fossemos, todo mundo, um só corpo.


[você não é mais criança]
Pois quando a policia recuou, ignorando os manifestantes, ela criou um espaço social independente. Neste lugar as pessoas recusariam qualquer forma de ameaça vinda de grupos organizados; e tampouco ficariam de braços cruzados diante de alguma barbaridade acontecendo: como um estupro, um espancamento ou um assalto. Isso porque a palavra da lei foi internalizada pelo grupo: que estabeleceu uma ordem paralela. Essa nova ordem, porém, é uma idealização: ela sonha com um mundo em que a comunidade possa viver em paz, sem a presença de elementos armados e sem constrangimentos de violência física ou verbal.



[deve ser tudo culpa del’s]
Mas o espírito dessa nova comunidade foi sendo reforçado por um sentimento nacionalista no coração dos presentes: alimentado por muito hino nacional e canções de orgulho pátrio. E foi nessa palha seca que se espalhou o grito do: “sem partidos!”. A partir daí, a atitude dos manifestantes se configurou como policial: as pessoas vigiavam não só os próprios pertences e a propriedade privada em redor. Mas também dispersavam no grito e a golpes todos os movimentos organizados de esquerda: que foram substituídos por estranhas siglas de grupos fascistóides...


[um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante – mas não morre de gripe?]
Ainda assim muita gente aqui em São P. caiu vítima da repressão: porque a polícia sumiu, mas estava mais presente que nunca né, outra contradição da experiência brasileira... Por isso o importante é observar os raros momentos de liberação, de abertura que surgem desses conflitos e ver o que é feito deles: como aproveitá-los pra configurar um futuro que valha a pena. Que não se transforme noutro lance ridículo [ditaduras] da nossa história pra sempre reposto e reposto e...
[regressão à biologia: a forma mercadoria]
Do mesmo modo que células primitivas absorveram organismos menores e os transformaram em suas organelas [ajudando na digestão de materiais complexos]: a forma mercadoria vem colonizando nosso sistema simbólico desde os primeiros usos de ferramentas entre os nossos antepassados [resultando no desenvolvimento da linguagem e em crianças mais dependentes].


Instrumentos musicais, tábuas, pergaminhos, livros, armas, joias, metais, ferramentas: todos esses objetos, mais uma infinidade de outros, formam o oceano de sinais no qual o corpo humano braceja em busca de seu destino. E é mesmo como se nós fossemos uns microrganismos, trafegando por artérias-ruas e rodeados de outros milhares iguais a nós: sempre seguindo um caminho já percorrido, sempre devorando criaturas menores, sempre odiando uns e amando outras; e cada qual acumulando muitos objetos: além de valores em abstrato [dinheiro, memórias].



[ter brinquedo-ter pipi]
É dito que muito do apelo da forma mercadoria viria de sua semelhança com o falo: que é algo que realmente prende a atenção de quem tem [um pinto]. Quanto ao apelo da mercadoria na atualidade, além do gozo das mulheres em também possuir algo pra “se ter cuidado”; há uma atração dos homens pelo objeto [pau] original. E talvez seja pra encobrir essa semelhança [com o] que as mercadorias variem tanto: indo do violino à submetralhadora, do satélite ao balão galinha.


Mas esses objetos todos duram um pouco só, e logo precisam ser descartados por aí: cobrindo de imundice a superfície do globo... Todo ser humano sente que essa produção compulsiva de objetos nos encaminha pra uma catástrofe geral: um envenenamento do mundo. E tememos, com isso, que a vida se torne ainda mais bárbara: como numa prisão a céu aberto.



[essa é a mistura do Brasil com o Egito! mas quem tem charme estupra?]
É por isso que, por mais miserável que dois indivíduos sejam: se um del`s é homem, já é mais rico que o outro. Já nasceu com alguma coisa de seu... O que parece uma loucura quando dito em voz alta, no Egito, se encarnou de verdade: pois durante os protestos foram registrados dezenas de estupros coletivos contra mulheres... Nesses casos a autoridade internalizada pelo grupo [ainda mais machista que a nossa] sonhou, no auge de sua excitação, com uma orgia impossível. Uma orgia exclusivamente entre homens, mas que não pode ter nada de gay. Uma orgia com mulheres, mas que não inclua mulheres: que devem estar lá só pra se ter tesão nelas e pra sumirem logo depois: um rosto na multidão [mulher de burca?] E numa situação que não é um estupro-estupro “de verdade”, né? Porque o sujeito diz pra si mesmo que só está fazendo o que “todo mundo tá fazendo” e “seguindo o instinto”: ainda que seja pra participar de um crime covarde...



Enfim, é impossível analisar uma multidão de estupradores e se perguntar pelos motivos de cada um: agora que uma coisa como essa aconteça “naturalmente” quando as figuras de autoridade se afastam, isso sim deveria nos preocupar [a nós todos] em toda parte.



[despertando de sonhos intranquilos o Povo se viu transformado num terrível Inseto]
Sim, o gigante [povo] acordou: mas seu corpo não era homogêneo. Quando atacado de fora ele resistiu e cresceu: cada vez mais consciente de si. Mas enquanto isso ia remoendo um mal interno: um impulso de gritar acusações, de delatar companheiros de marcha, de encontrar culpados e oportunistas nos vizinhos, de humilhar, de agredir, de expulsar...  


Mas nosso gigante é essa aí: não existe outro mais legal. Ele é agressivo, por vezes irracional, e não quer saber de se organizar. Quer correr nu e embriagado pelas ruas, enrolado só numa bandeira do Brasil: cheio das melhores intenções pra cidade, pro país, pro mundo inteiro; mas não quer saber de política... É uma criança narcisista com um medo profundo de agressão: disposta a pactos de silêncio, de submissão velada... Por isso o gigante se orgulha de “saber com quem está andando”, e traz as próprias demandas de casa, e já não se mistura com a gentalha [vândalos-maloqueiros-políticos].



[conclusão: um filme sobre um filme dentro de um filme]
Recentemente o Movimento Passe Livre promoveu uma aula pública em frente à prefeitura de São P. com dois professores conhecidos. O MPL, é bom explicar, se colocou publicamente contra qualquer forma de repressão a partidos e organizações de esquerda nas suas manifestações. Por isso aquela aula era um ambiente aberto, sem intenção de reprimir comportamentos. Inclusive contava com a presença de organizações políticas: que desfraldaram suas bandeiras.
Mas vejam que curioso: durante uma pausa alguns participantes decidiram fumar um cigarro naquele espaço [ao ar-livre, diga-se] e foram duramente reprimidos por pessoas indignadas. Ouviram coisas do tipo: "fica longe de mim com esse negócio!" ou "isso é uma falta de respeito completa!" ou "vocês estão se matando!". Já o resto de nós, sem saber bem o que fazer, fomos tomando o lado dos fumantes ou dos não fumantes: mas isso só internamente, nos nossos pensamentos...


Mas o que será que essa cena nos mostra? Talvez que a mesma agressividade que expulsou os partidos políticos das manifestações estava operativa, também, naquele ambiente: só que em escala menor. E isso apesar das precauções dos presentes contra aquele sentimento...  Parece que esse espírito de rixa é um comportamento mumificado na identidade brasileira: pode nos levar aos gestos mais nobres ou a monstruosidades sem tamanho...



Então será que há uma ligação entre os estupros coletivos nas marchas no Egito; e a indignação que expulsou partidos, organizações [e fumantes] das manifestações por aqui? Se a pergunta soa exagerada, a resposta tampouco nos traria alívio... Melhor seria, ao invés, cada um perguntar a si mesmo, muito humildemente: como manter a mente clara quando reinam o ódio e a confusão? 

  

Enredo da Vida

Somos os primeiros organismos
Pluricelular.
Viemos muito unidos, protegidos,
Pra nos perpetuar.

Somos as criaturas,
Sempre juntos nas agruras,
Ninguém vai nos separar:

E de zigoto em zigoto,
Cada vida vive um pouco,
Nada nunca vai parar. [2x]

Somos as primeiras criaturas
Com vida social.
Vivemos num labirinto construindo
Túneis e canais.

Amamos a natureza
Mas com ela não é certeza,
É preciso se aprumar.


E de reboco em reboco,
Cospe a pedra, sobe o muro,
Traz comida, vá lutar. [2x]

Somos os primatas: magnatas
Do reino animal.
Dotados de linguagem conquistamos
O espaço sideral.

Mas do que adianta
Nossa vida não suplanta
A miséria, o medo, a dor.

Sonhamos outra humanidade:
Escrava da liberdade
E senhora do amor. [2x]