[filme manifesta ação]
ou
[sonho
lúcido da razão]
[*]
[onde dois ou mais estiverem, aí eu também
estarei]
A tática
utilizada pela policia militar para conter as grandes manifestações contra o
aumento da tarifa de ônibus, na cidade de São P., foi a mais revolucionária já
vista. Depois de um ápice de brutalidade, que reverteu a opinião pública a
favor dos manifestantes: os policiais simplesmente sumiram... Quem marchou
pelas ruas naqueles dias pode sentir o estranhamento de substituir os carros no
fluxo [eterno] de automóveis: todos caminhando e cantando juntos, olhando uns
pelos outros num mar de gente, como se fossemos, todo mundo, um só corpo.
[você não é
mais criança]
Pois quando
a policia recuou, ignorando os manifestantes, ela criou um espaço social independente. Neste lugar as pessoas recusariam
qualquer forma de ameaça vinda de grupos organizados; e tampouco ficariam de
braços cruzados diante de alguma barbaridade acontecendo: como um estupro, um
espancamento ou um assalto. Isso porque a palavra
da lei foi internalizada pelo grupo: que estabeleceu uma ordem paralela. Essa nova ordem, porém, é uma idealização:
ela sonha com um mundo em que a comunidade possa viver em paz, sem a presença
de elementos armados e sem constrangimentos de violência física ou verbal.
[deve ser
tudo culpa del’s]
Mas o
espírito dessa nova comunidade foi sendo reforçado por um
sentimento nacionalista no
coração dos presentes: alimentado por muito hino nacional e canções de orgulho
pátrio. E foi nessa palha seca que se espalhou o grito do: “sem partidos!”.
A partir daí, a atitude dos manifestantes se configurou como policial: as pessoas vigiavam
não só os próprios pertences e a propriedade privada em redor. Mas também dispersavam no grito e a golpes todos os
movimentos organizados de esquerda: que foram substituídos por estranhas siglas
de grupos fascistóides...
[um
índio descerá de uma estrela colorida e brilhante – mas não morre de gripe?]
Ainda assim
muita gente aqui em São P. caiu vítima da repressão: porque a polícia sumiu,
mas estava mais presente que nunca né, outra contradição da experiência
brasileira... Por isso o importante é observar os raros momentos de liberação,
de abertura que surgem desses conflitos e ver o que é feito deles: como
aproveitá-los pra configurar um futuro que valha a pena. Que não se transforme
noutro lance ridículo [ditaduras] da nossa história pra sempre reposto e
reposto e...
[regressão
à biologia: a forma mercadoria]
Do mesmo
modo que células primitivas absorveram organismos menores e os transformaram em
suas organelas [ajudando
na digestão de materiais complexos]: a forma
mercadoria vem colonizando
nosso sistema simbólico desde os primeiros usos de ferramentas entre os nossos
antepassados [resultando no desenvolvimento da linguagem e em crianças mais
dependentes].
Instrumentos
musicais, tábuas, pergaminhos, livros, armas, joias, metais, ferramentas: todos
esses objetos, mais uma infinidade de outros, formam o oceano de sinais no qual
o corpo humano braceja em busca de seu destino. E é mesmo como se nós fossemos
uns microrganismos, trafegando por artérias-ruas e rodeados de outros milhares
iguais a nós: sempre seguindo um caminho já percorrido, sempre devorando
criaturas menores, sempre odiando uns e amando outras; e cada qual acumulando
muitos objetos: além de valores em abstrato [dinheiro, memórias].
[ter
brinquedo-ter pipi]
É dito que
muito do apelo da forma mercadoria
viria de sua semelhança com o falo:
que é algo que realmente prende a atenção de quem tem [um pinto]. Quanto ao apelo da mercadoria na atualidade, além do gozo das
mulheres em também possuir algo pra “se ter cuidado”; há uma atração dos homens
pelo objeto [pau] original. E talvez seja
pra encobrir essa semelhança [com o]
que as mercadorias variem tanto: indo do violino à submetralhadora, do satélite
ao balão galinha.
[essa é
a mistura do Brasil com o Egito! mas
quem tem charme estupra?]
É por isso
que, por mais miserável que dois indivíduos sejam: se um del`s é homem, já é
mais rico que o outro. Já
nasceu com alguma coisa de seu... O que parece uma loucura quando dito em
voz alta, no Egito, se encarnou de verdade: pois durante os protestos foram
registrados dezenas de estupros
coletivos contra mulheres...
Nesses casos a autoridade internalizada pelo grupo [ainda mais machista que a
nossa] sonhou, no auge de sua excitação, com uma orgia impossível. Uma orgia
exclusivamente entre homens, mas que não pode ter nada de gay. Uma orgia com
mulheres, mas que não inclua mulheres: que devem estar lá só
pra se ter tesão nelas e pra sumirem logo depois: um rosto na multidão [mulher
de burca?] E numa situação que não é um estupro-estupro “de verdade”, né? Porque
o sujeito diz pra si mesmo que só está fazendo o que “todo mundo tá fazendo” e
“seguindo o instinto”: ainda que seja pra participar de um crime covarde...
Enfim, é
impossível analisar uma multidão de estupradores e se perguntar pelos motivos
de cada um: agora que uma coisa como essa aconteça “naturalmente” quando as
figuras de autoridade se afastam, isso sim deveria nos preocupar [a nós todos]
em toda parte.
[despertando
de sonhos intranquilos o Povo se
viu transformado num terrível Inseto]
Sim, o gigante
[povo] acordou: mas seu corpo não era homogêneo. Quando atacado de fora ele
resistiu e cresceu: cada vez mais consciente de si. Mas enquanto isso ia
remoendo um mal interno: um impulso de gritar acusações, de delatar
companheiros de marcha, de encontrar culpados e oportunistas nos vizinhos, de
humilhar, de agredir, de expulsar...
Mas nosso gigante
é essa aí: não existe outro mais legal. Ele é agressivo, por vezes irracional,
e não quer saber de se organizar. Quer correr nu e embriagado pelas ruas,
enrolado só numa bandeira do Brasil: cheio das melhores intenções pra cidade,
pro país, pro mundo inteiro; mas não quer saber de política... É uma criança
narcisista com um medo profundo de agressão: disposta a pactos de silêncio, de
submissão velada... Por isso o gigante se orgulha de “saber com quem está
andando”, e traz as próprias demandas de casa, e já não se mistura com a
gentalha [vândalos-maloqueiros-políticos].
[conclusão: um filme sobre um filme dentro de
um filme]
Recentemente
o Movimento Passe Livre promoveu uma aula pública em frente à
prefeitura de São P. com dois professores conhecidos. O MPL, é bom explicar, se colocou
publicamente contra qualquer
forma de repressão a partidos e organizações de esquerda nas suas manifestações. Por isso aquela
aula era um ambiente aberto, sem intenção de reprimir comportamentos. Inclusive
contava com a presença de organizações políticas: que desfraldaram suas
bandeiras.
Mas vejam
que curioso: durante uma pausa alguns participantes decidiram fumar um cigarro
naquele espaço [ao ar-livre, diga-se] e foram duramente reprimidos por pessoas
indignadas. Ouviram coisas do tipo: "fica longe de mim com esse negócio!"
ou "isso é uma falta de respeito completa!" ou "vocês
estão se matando!". Já o resto de nós, sem saber bem o que fazer,
fomos tomando o lado dos fumantes ou dos não fumantes: mas isso só
internamente, nos nossos pensamentos...
Mas o que será
que essa cena nos mostra? Talvez que a
mesma agressividade que expulsou os partidos políticos das manifestações estava
operativa, também, naquele ambiente: só que em escala menor. E isso apesar das precauções dos presentes contra aquele sentimento... Parece que esse espírito de rixa é um
comportamento mumificado na
identidade brasileira: pode nos levar aos gestos mais nobres ou a
monstruosidades sem tamanho...
Então será
que há uma ligação entre os estupros coletivos nas marchas no Egito; e a
indignação que expulsou partidos, organizações [e fumantes] das manifestações por
aqui? Se a pergunta soa exagerada, a resposta tampouco nos traria alívio... Melhor
seria, ao invés, cada um perguntar a si mesmo, muito humildemente: como manter a mente clara quando reinam o
ódio e a confusão?
Enredo
da Vida
Somos os primeiros organismos
Pluricelular.
Viemos muito unidos, protegidos,
Pra nos perpetuar.
Somos as criaturas,
Sempre juntos nas agruras,
Ninguém vai nos separar:
E de zigoto em zigoto,
Cada vida vive um pouco,
Nada nunca vai parar. [2x]
Somos as primeiras criaturas
Com vida social.
Vivemos num labirinto construindo
Túneis e canais.
Amamos a natureza
Mas com ela não é certeza,
É preciso se aprumar.
E de reboco em reboco,
Cospe a pedra, sobe o muro,
Traz comida, vá lutar. [2x]
Somos os primatas: magnatas
Do reino animal.
Dotados de linguagem conquistamos
O espaço sideral.
Mas do que adianta
Nossa vida não suplanta
A miséria, o medo, a dor.
Sonhamos outra humanidade:
Escrava da liberdade
E senhora do amor. [2x]
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