domingo, 8 de agosto de 2010

O que der certo: Cinismo e investimento libidinal em Whatever Works de W.Allen.





Uma desfaçatez de classe

(((um narrador voluntariamente importuno e sem credibilidade)))

No diálogo que inicia o filme o físico ranzinza de "Whatever Works" se dirige diretamente a nós, expectadores, apresentando-se como narrador e protagonista. A figura de Boris (com seu humor cínico e desencantado, repleto de tiradas espirituosas [wit]) parece saída de um romance em primeira pessoa. Assim, gostaríamos de abordar o filme desse ângulo, tomando o cuidado de não nos deixar enredar pelo narrador, que não está necessariamente preocupado em nos revelar toda a verdade.

Para aproximá-lo um pouco de nossa experiência poderíamos compará-lo a um primo distante no tempo e no espaço, e que também se ocupou em nos contar sua história (ainda que não desse a mínima para nossa opinião): seu nome é Brás Cubas.


Feição social do narrador e da intriga

(((And just maybe - I'm to blame for all I've heard - I'm not sure)))

"O romance (filme?) não busca fixar a contradição, e muito menos a transformação, mas o progressivo desgaste no entusiasmo com que um parasita abocanha a sua parte nas vantagens da iniqüidade social, cujo limite não está à vista."

E onde estaria esse limite, que não está à vista? No caso de Brás, na estrutura escravista e em seus desdobramentos perversos como o favor, o mandonismo, a miséria, a exploração ilimitada, o atraso. Com o narrador brasileiro o mascaramento dessa iniqüidade se dá em tom de piada: ninguém parece mais inatacável que nosso jovem patriarca, culto e volúvel; afinado com as tendências liberais mais modernas do mundo livre.

E quanto a Boris? Bom, seu cinismo hiper-crítico não precisa desviar-se da crueza de certos assuntos, que Brás contornaria com um sorriso sarcástico. Ao contrário, ele trás esses temas à tona com violência calculada, para que as contradições de que participa não sejam imediatamente visíveis no meio em que se movimenta. Como efeito colateral, a banalidade de sua rotina é constantemente interrompida por acessos de fúria e ansiedade, cujo avesso são um desprezo pelos que ele considera "inferiores" e surtos de megalomania.

Muitas vezes a sensação de inadequação pode estar relacionada a um conflito do sujeito com as demandas do supereu, que representa o ideal. Na atual fase do capitalismo o supereu coletivo (ideal coletivo) não é mais aquele do sacrifício pessoal e do trabalho duro, mas sim o da satisfação irrestrita e imediata dos desejos. Esse imperativo de gozo leva os indivíduos a experimentar ansiedade, pois a constante troca de objetos de atração desestabiliza o eu, que em sua busca por satisfação total termina por encontrar ansiedade e insatisfação. Mas é possível criar uma barreira contra essa “incerteza”, fortalecendo a própria identidade, através de uma atitude cínica, ligada à auto-afirmação e ao rebaixamento do outro. Seria este o caso de Boris Yellnikoff? Para descobrir devemos retomar a narrativa num esforço investigativo, e penetrar a trama de ocultações criada pelo protagonista.

A sorte dos pobres

(((Quero me livrar dessa situação precária))))

Quando a narrativa de Boris se impõem (momento em que começa a discutir com a câmera) um véu de plasticidade cai sobre o que está sendo mostrado: os personagens são imediatamente tipificados, sacrificados em sua verossimilhança para suavizar a realidade, ao mesmo tempo em que protegem a figura do narrador. A descrição dada por ele de sua primeira tentativa de suicídio é ilustrativa: Nesta cena ele discute com a ex-esposa e ao final se joga pela janela. A conversa entre os dois soa um tanto teatral, nada nela antecipa a gravidade do que está para acontecer. O que encontramos é um discurso bem amarrado de nosso narrador e suas razões para odiar a tudo e a todos. A esposa pouco fala, e não conhecemos sua versão dos fatos. Ela talvez tivesse uma ou duas coisas a dizer de um sujeito que se apresenta como insociável, beberrão, mau-humorado, que inveja o sucesso da mulher, não tem apego ao filho, intercala surtos de fúria autopunitiva com sadismo, hipocondria... Resumindo, um tipo egoísta, que entroniza o próprio sentimento de culpa e vampiriza a pessoa com quem se relaciona através de rituais absurdos e crítica constante. Como se vê os eventos são todos reinterpretados pelo narrador, que trata de destacar ou acobertar o que lhe convém.

Seguindo essa linha fica mais fácil compreender o primeiro encontro com sua futura esposa: Boris está com um grupo num restaurante e é abordado pela mãe de um aluno, a quem ele humilha de forma desprezível. Por conta disso os amigos o abandonam. Ele caminha para casa sozinho e num beco escuro é abordado por uma moça, que ele acaba por receber em casa.

Analisemos por um instante o gesto desinteressado de Boris e a atitude da moça em dificuldades. Ao observarmos texto e contexto em separado talvez consigamos um vislumbre "do todo" (big picture) ocultado pelo narrador e, quem sabe, nos aproximar um pouco mais dos fatos. No encontro com Melodie (a moça em apuros) encontramos o mesmo procedimento, em que a realidade é apresentada de forma abrandada, de modo a destacar a engenhosidade do narrador. Diante dos ataques de Boris, que está decidido a se livrar dela, a moça aceita as agressões do outro com uma máscara de candura e simplicidade excessivas, nascidas do medo de ser enxotada. Seu nervosismo é grande, ao ser perguntada sobre o quê gostaria de comer ela enumera uma lista de frutos do mar como seus pratos favoritos. Depois de lhe oferecer uma lata de sardinhas Boris, tentando convencê-la a voltar para casa, fala de jovens asiáticas cheias de sonhos (que chegam ao cais como peixes?) que acabam na prostituição.

Sabemos que Melodie vem do sul profundo dos EUA, onde o ranço da tradição escravista-patriarcal resulta em mulheres reprimidas e subordinadas à família (asiáticas? polacas? latinas?). Como se vê não faltam alusões a uma relação de dependência ligada ao concubinato e/ou casamento. Todas coroadas pela brutalidade de Boris, que talvez não tivesse recebido a moça (contratado?), não fosse a cena patética no restaurante minutos antes.

Já podemos sentir até onde vão as interferências de nosso narrador. As coisas ganham uma clareza extra quando observamos os limites de sua consciência na configuração das demais personagens e nos eventos que ele não presenciou.

Ricos entre si

(((Prisoners of love - Blue skies above - Can't keep our hearts in jail)))


Melodie St. Ann Celestine

O que sabemos dessa personagem é que ela fugiu de uma família opressiva junto de um músico, seu primeiro parceiro e, provavelmente, sua primeira decepção. Ao se ver sob a proteção de Boris (que apesar da grosseria e da personalidade caprichosa, era o oposto de seus pais) ela decide que não quer se afastar dele. E não é curioso que, a partir de então, quando o narrador toma a palavra, ele está quase sempre andando por um bairro asiático? Ora comprando em uma peixaria com letreiros em chinês, ora saindo de um açougue típico ou comendo em um restaurante? A menina que toma seu bispo no jogo de xadrez e é trapaceada por ele também é asiática. São alusões do narrador que sugerem o limite da contradição (a exploração indiscriminada do novo capitalismo asiático? A condição da mulher em tais sociedades? A migração em massa dessa mão-de-obra?) como pano de fundo.

Bom, a união dos dois, que acabam se casando, chega ao final quando Melodie se envolve com um ator (que o narrador representa com tintas exageradas, num esforço para torná-lo "irresistível" para uma moça ingênua.Aliás o nome Randy Lee James, dado ao personagem, é uma piada pois "randy" é uma gíria para excitado), levando Boris a uma segunda tentativa de suicídio.


Marietta Celestine

(((Só privilegiados têm o ouvido igual ao seu)))

A mãe de Melodie , Marietta, aparece num momento de estabilidade do casal. A postura de Boris é a mesma: debochada, cáustica, desfazendo dos sofrimentos e da religiosidade da mulher. A tensão que se cria é cuidadosamente sufocada pelas tiradas engenhosas e pela música incidental, apenas para que a figura do narrador, com suas racionalizações, se aproveitem dela, colocando-se acima de todos em cena. Marietta é considerada uma antagonista para Boris. A mulher conservadora, que a princípio teria uma devoção exagerada pela filha, acaba por se tornar uma fotógrafa reconhecida e uma pessoa liberal, envolvida num relacionamento a três. Ela (ao freqüentar diversos parceiros e se estabelecer com dois dele) parece reconhecer o que realmente está em jogo nas relações em que a filha, e ela mesma, estão envolvidas. Seus trabalhos representam recortes de partes do corpo e praças (como corpos à venda num ponto de prostituição? Como traseiros e seios comparados a frutas? Como peixes num mercado de peixes?). Há também uma referência a uma declaração dela que relacionaria “liberdade humana e perversão sexual” que, segundo o filósofo seu parceiro, seria cheia de “imaginação erótica”. O que seria isso? Um elogio neo-hippie do amor livre? Ou uma crítica à perversão que priva de liberdade pessoas submetidas à exploração sexual? Aqui Boris não nos deixa indicações claras. O que ouvimos dizer é que nas artes plásticas algumas artistas de inspiração feminista discutem a questão de gênero, exploração e identidade de modo profundo e original. (http://www.cindysherman.com/)



John Celestine

(((o homem nasce sem maldade em parte nenhuma do corpo)))

Quando o pai de Melodie aparece sua ex-esposa, Marietta, já havia se transformado. Boris o representa como um branco conservador, membro da associação nacional do rifle. Aqui a mesma lógica se segue: o narrador aparece acima dos eventos, diverte-se em colocar John em situações ridículas e reveladoras (mas nos perguntamos se esse tipo, numa representação menos parcial, não seria ainda mais intratável e rude que o narrador).

Como que para desmoralizá-lo e afastar-se dele, Boris no apresenta sua saída do armário com tintas exageradas, num tom que, ao se pretender analítico e engraçado, vem carregado de estereótipos preconceituosos, maquinados pela ansiedade de ser “descoberto”. O parceiro de John (que tem certa semelhança com Oscar Wilde, além de ter sido batizado Kaminsky. Kaminsky era o nome de batismo de Mel Brooks, que era mestre em criar situações inusitadas a partir da tensão erótica entre as personagens, conferir The Producers) em dado momento diz que os homossexuais "sempre têm interesse" no parceiro, diferente dos héteros, o que nos parece mais uma versão distanciada e caricata dos papéis sexuais que ele nos apresenta.

E falando em papéis sexuais, o narrador toma o cuidado de se colocar como inadequado para todos eles, como se quisesse proteger as feições de seu desejo "distribuindo-as" entre as personagens, que ele manipula e ofende para dar lustro ao próprio isolamento.


O papel das idéias

(((I can see into the future)))

A intenção final de Boris é afirmar-se como um gênio não reconhecido. A insistência com Beethoven, cujo temperamento excessivo dava conta de uma personalidade difícil, é um esforço para aproximar-se da genialidade pelo seu avesso, ou seja, o seu momento final: quando o sujeito, já consagrado por uma obra monumental, tem a vida transformada em exemplo (ainda que para prejuízo da obra em si, e mesmo da idéia de "exemplo"). O talento não confirmado de Boris, escondido num campo específico da física, e que não alcançou o reconhecimento de seus pares, não tem força para transformar as esquisitices de nosso narrador em indícios de uma "uma compreensão extraordinária da realidade". Assim, ao envelhecer frustrado, percebendo a intensificação de seus sintomas, o protagonista nos apresenta uma história em que sua genialidade reiterada (e difícil de explicar) aparece em contraponto a papéis sexuais com os quais ele não se identifica, e que lhe provocam ansiedade. No filme encontramos referências mais ou menos abertas à prostituição, casamento de interesse, pornografia, exploração, violência contra a criança, e outros temas que, ao serem acobertados pela banalidade, servem para emprestar força à crítica de Boris, que se utiliza dela para sair-se como um furioso e intratável "inocente de tudo".

Entregues os procedimentos do narrador o que nos sobra é o diretor, que está associado ao protagonista de forma “promíscua” e, por isso mesmo, plena de honestidade. O prazer que (Boris nos aconselha) deve ser tomado da vida, será sempre fruto da flexibilização da culpa, que agora não nos ameaça com proibições ao gozo, mas com a preocupação constante de não saber como gozar. O supereu “em negativo” que Boris representa, na contramão da “liberdade perversa” da alta classe nova-iorquina, não faz mais que procurar por satisfação narcisista.

E pensando na impotência psíquica: não seria o Emplastro Brás Cubas uma espécie de Viagra metido a Nona Sinfonia?


(Os títulos e a citações são do livro “Um mestre na periferia do capitalismo” de Roberto Schwarz)

Até!

segunda-feira, 28 de junho de 2010

O segredo do segredo no “Segredo de seus olhos”










Título Original: El Secreto de sus Ojos
Diretor: Juan José Campanella
Elenco: Ricardo Darín (Benjamín Espósito), Soledad Villamil (Irene Menéndez Hastings), Pablo Rago (Ricardo Morales), Javier Godino (Isidoro Gómez), Guillermo Francella (Pablo Sandoval)
Roteiro: Juan José Campanella e Eduardo Sacheri, baseado no romance La pregunta de sus ojos de Eduardo Sacheri
Duração: 127 min.
Ano: 2009
País: Argentina

(((There is no future in E. dreamland)))

O filme “O segredo de seus olhos” é carregado. Sua trama está embebida numa tensão não verbalizada, cuja expressão limite é a cena da moça seviciada, que vem à tona já nos primeiros minutos de fita. Na história, o promotor público aposentado, Espósito, tenta escrever um romance sobre o caso de uma jovem professora, na Buenos Aires dos anos 70, estuprada e morta em seu apartamento. Em meio à agitação que antecede o golpe militar argentino, Espósito e seu colega Sandoval lutam para esclarecer o caso e prender o criminoso. Porém, o que a investigação do protagonista tem a nos revelar é muito pouco (e mesmo a conclusão mirabolante, com seu sadismo bom-moço, não vem nos entregar nada, pelo contrário). Assim, o que devemos fazer é seguir algumas pistas em paralelo, exatamente as que o investigador deixa passar, pra podermos enxergar a teia de relações que reflete a Argentina daquele tempo, alvo de uma brutal mutilação.

She ain’t no human being.

((()))
            Comecemos apontando certa cumplicidade entre os personagens masculinos: O protagonista Espósito (esposo?), que toma as dores do viúvo da professora (Morales) e persegue o assassino (Gómez), se vê obcecado pelo amor do marido da vítima. Amor que ele considera perfeito, ainda que (ou porque) devotado a uma mulher morta. No extremo oposto está o assassino, também ele devotado ao amor pela professora, que era sua conterrânea, desde a juventude; mas acaba levando essa paixão a termo com a destruição de seu objeto de atração. Pegos entre estes momentos conflitantes estão os investigadores Sandoval, um beberrão inveterado e autodestrutivo que sabota o próprio casamento. E o próprio Espósito, solteirão boa pinta que não tem coragem de engajar num relacionamento que termine em compromisso. Diante deste quadro poderíamos dizer que o que aproxima o marido da vítima (Morales), o assassino (Gómez), e os dois burocratas (Espósito e Sandoval), é a relação que estabelecem com o sexo oposto, e suas tentativas de afastá-lo de seu convívio. Ao estabelecer esta distância (que como reação ao complexo de Édipo, sustenta o desejo), eles “objetificam” a mulher, que por não se dissociar completamente da figura materna, passa a ser alvo de projeções ora demasiado idealizantes, ora redutoras e aviltantes. Como no cancioneiro popular, em que a mulher amada aparece ora como a santa que pôs o no mundo, ora como uma qualquer que o manipula e enlouquece.  

Esta lógica se presta a submeter as mulheres ao capricho masculino, pois a imposição dessa dualidade é das formas mais desgastadas de controle social, e vem sustentar a separação (daí surgem uma série de fantasmagorias sobre diferenças entre gêneros, que mal conseguem disfarçar seus objetivos classistas). No limite, ao submeter os indivíduos a uma hierarquia classificatória, ela serve à mercantilização dos corpos femininos, impondo uma distinção entre mulheres “decentes” e “perdidas”. Ainda que separadas pelo abismo de classe, muitas acabam unidas quando a imposição alheia as transforma em objeto de escambo, para fins comerciais ou de casamento.


A. de argentina, B. de brasil e C. de chile (ditadura se escreve a máquina).

(((Potential H-bomb)))


            E onde entra a Argentina e seu golpe de Estado? Pois exatamente aí, na aplicação desta lógica classificatória por parte dos detentores da violência estatal. No escritório onde trabalham os personagens de Espósito e Sandoval (ajudados de perto por Irene Hastings, sua superior hierárquica) gira de mão em mão uma máquina de escrever em que a letra “A” está emperrada. Poderíamos encontrar na “fixação” representada por essa piada uma relação com o conceito de objet petit a, desenvolvido por Lacan, a saber, a esfera do objeto que resiste à simbolização e representa o excesso inerente ao desejo: o que nele nunca pode ser alcançado. Como a criança nos primeiros estágios de desenvolvimento, ainda na Fase do Espelho em que, ao descobrir no próprio reflexo as fronteiras de sua individualidade, percebe também que não existe em simbiose com o seio da mãe, desencadeando uma ânsia inalcançável por completude. A partir daí a ligação com a primeira letra em A-rgentina, lugar em que o processo de re-acomodação política envolvia serões de tortura e extermínio, assume outra perspectiva. Pois tal processo era justificado por seus idealizadores como atendendo ao chamado de um nacionalismo sincero, que visava preservar a pureza ameaçada da mãe pátria, livrando-a de indivíduos que teriam se desligado dela num nível fundamental. Porém, que a crença numa ameaça efetiva, por parte dos perpetradores destes abusos, servisse muito mais à satisfação sádica deles, nos revela de quantas sutilezas a imposição da ordem é capaz, e com quais estruturas psíquicas ela se comunica.
             Assim, ao mesmo tempo em que acompanhamos a investigação “branca” dos heróis, somos também apresentados ao aparelho estatal empregado na captura e coerção, não de estupradores e assassinos, mas de dissidentes políticos. Enquanto o edifício democrático vem abaixo, com um sem fim de violações à legalidade, os protagonistas se alienam da impotência (sexual? Política?) em que se encontram por meio de sua busca ao “verdadeiro culpado”.  
Vale a pena conferir o documentário "Cidadão Boilesen” de Chaim Litewski, que retrata as aventuras do empresário dinamarquês Henning Albert Boilesen: entusiasta e participante ativo da Operação Bandeirantes, Oban, de caça aos comunistas durante o regime militar brasileiro.


Assassino no armário, mamãe no coração
                                                             
(((Don’t cry for me A.)))

            Então, em dado momento do filme, morre o burocrata alcoólatra e autodestrutivo (Sandoval) e o estuprador (Goméz) é colocado no closet-cativeiro, onde era mantido pelo marido da vítima havia mais de vinte anos, pra não ferir nossa sensibilidade. Sobram o maridão justiceiro e eternamente fiel (Morales) e o burocrata solteirão (Espósito). Desse modo, quando Espósito descobre o “conteúdo reprimido” do marido, a revelação vem para associar o sadismo extremado do criminoso à culpa sem descanso do marido, anulando a ambos. O marido e o “antimarido” se tornam a mesma pessoa, a conivência com o crime (estupro? Vingança do marido?) finalmente assume a máscara da punição pelo crime. O protagonista pode finalmente se reconhecer na comunidade dos homens de vontade, como um daqueles que foi “até as últimas conseqüências” (como o amigo que se sacrificou por ele, o marido que puniu o estuprador, o assassino que possuiu seu amor de infância, os militares que eliminaram famílias inteiras, etc...). O fantasma desprotegido da mãe-moça violada pode finalmente descansar, à distância, sem que lhe voltemos uma palavra, sem se lembrar do que aconteceu neste país, naquele tempo, tão horrível... Mas já passou...      

Mãe, Esposa e Pátria (o papai não te merece...)

(((Living in a material world)))

            Sim, a personagem Irene Hastings é pega na linha de fogo, num esquema mesquinho de reacomodação de poderes, que resulta em toda sorte de abuso. Mas o que ela realmente esperava de seu amado Espósito (que de alguma forma encenava para ela a busca do amor sincero e a luta contra a opressão do mais forte) era que ele a assumisse em casamento, o que funcionaria como uma liberação do fantasma paterno (que paira ameaçador sobre todos, corporificado na cena de tortura). Lembremos que ela era a mais inteligente e preparada no Tribunal Penal, mas que seu prestígio vinha, em grande parte, de relações familiares. Ao sentir-se atraída por um subalterno que se debate “contra o sistema”, ela se identifica com sua rebeldia e impotência, ansiando por se libertar. Ao mesmo tempo se mantém sob influência da aprovação familiar, por meio de sua fixação na idéia de casamento.

A imagem do pai que entrega a filha intocada no altar deve ligar-se àquela do monstro no cativeiro secreto. Pois o pai, que nunca havia se revelado um monstro (democracia-ditadura?), também não foi plenamente desafiado, como na cena em que ela interroga o suspeito e faz pouco de sua virilidade de propósito, para despertar sua fúria. Uma versão branda desse movimento não seria a que vemos em casas de família, ou escritórios, quando em grupo os funcionários (ou agregados) tentam adivinhar o humor do chefe-provedor? “Ele anda tão quieto, né”; “O será que aconteceu?”; e o kafkiano “Foi alguma coisa que eu fiz?” Na mesma lógica de associar certos desejos a proibições e desidentificar-se deles; essa transferência da pulsão para o outro passa a entender esse outro como o “portador do negativo”, o que o afasta e idealiza. Quando tais mecanismos se associam a outras esferas da vida como a religiosa, política ou de classe; esse controle “seqüestra” o desejo, que se aliena dos sujeitos em seus próprios corpos. Isso apenas para se manifestar mais adiante, transfigurado em violência branda (maltratar “subalternos”) ou excessiva (torturar e matar um estudante).
O que encontramos novamente é a dualidade, que mascara certas esferas da sexualidade, tornando os sujeitos estranhos para si mesmos. Irene, por não compreender os mecanismos de transferência operando em si (a atração pela figura da autoridade, daquele que age pelo bem comum e esquece as próprias vontades, com um “monstro”devidamente sob controle, que lhe confere poder e confiança), assume essa máscara paterna com arrogância e um gosto amesquinhado por se impor sobre os que lhe são subordinados.  O mais triste nessa ciranda é que a moça acaba por perder a experiência que (ela intuía) poderia mostra uma saída para além desse labirinto horroroso e autofágico que é a opressão paterna.     

    
A serpente enlouqueceu e devora a própria cauda, bicho.

(((No future for you)))

            Assim, no final do filme o caso de amor entre Espósito e Irene começa não com uma revelação, mas com um segredo. No cativeiro onde meteram o assassino, como a letra A que faltava ao bilhete (temo – teAmo) e na máquina de escrever, não é apenas a faceta sádica que deve ficar oculta, mas a identificação inerente à atração sexual. Segundo a psicanálise, durante o desenvolvimento do eu, na fase de aquisição da linguagem, o individuo deve superar o complexo de Édipo (desligando-se da mãe) e entrar no mundo da socialização por intermédio do pai, com quem estabelece uma relação de rancor e admiração. Até este ponto somos todos iguais sob o sol, os gêneros não passam de um esboço. Quando uma relação sexual consentida (e ansiada) acontece, a excitação das partes vem não de uma espécie de exotismo ou mistério do outro, mas de uma intensa identificação com o objeto de desejo. E é exatamente para fugir dessa identificação que os personagens masculinos têm uma postura ambígua em relação às mulheres em cena. A sombra edipiana pesa sobre eles através do fantasma da mãe que, por ser a primeira (e traumática) manifestação do desejo, deve “desaparecer”. Tal desaparecimento do desejo por meio da linguagem alivia a tensão advinda da
ameaça de castração por parte do pai – que assume a máscara de mantenedor da ordem, através da punição (virtual) ao incesto. Assim, o assassino(Goméz) encena a grande monstruosidade do pai quase como a desculpar-se com este; ao mesmo tempo em que pune aquela (mãe) que o macula e enfraquece aos seus olhos (o mesmo movimento fazem os outros três, guardadas as proporções). Assim a vítima revelaria em si, invariavelmente, as pulsões que o outro reprimiu a custo, por isso deve ser dissociada da figura materna, reduzida a coisa e eliminada.

And I am a material girl
((( )))

            Como se vê é a lógica paternalista que desenrola essa série de transferências abjetas, impondo a distinção de gêneros através de ameaças, veladas ou não. O caso de Irene, como em outras relações especulares ao longo do filme, não esconde um claro contraste entre ela e a professora assassinada. De certa forma, se poderia dizer que também Irene acaba enredada pelo “grande rio da vida”, que conduz as vítimas da auto-afirmação. Este processo, no filme, opõe a história da bem sucedida e casadoira advogada, àquela do estupro e assassinato da jovem professora (isso num elenco demograficamente dominado pelo gênero masculino, cada qual absorto em delírios de potência e inferioridade). O procedimento vem nos revelar uma relação insólita, mas sintomática: assim como o sistema democrático separa a política de nossas vidas, as contradições do meio social se alienam das consciências de formas mais e mais sutis (apresentando, é claro, certas "explosões" sistemáticas. E quem não vê no noticiário policial as mulheres agredidas e mortas todos os dias por companheiros inconformados?).
Talvez a separação de classe tenha como base a distinção de gênero, e dependa dela num nível fundamental.
Alguém tem uma luz? 


(a música abaixo é da Nina Simone e tem letra, não liguem pro comercial no começo)
Até!
http://www.youtube.com/watch?v=-ZiToJlsD7w





quarta-feira, 2 de junho de 2010

Raio-X do pai cebola. (Los Abrazos rotos, de Almodóvar)





“We passed upon the stairs, we spoke of was and when…”

(((looking through a glass onion)))

Comecemos pela cena que abre o filme, já que ela exemplifica o movimento que nos propomos fazer na nossa leitura da história. Nela, que parece o recorte de um material bruto de filmagens, uma moça espera em um ponto para servir de referência para o enquadramento da câmera, e é substituída em seguida pela atriz principal. Aqui (como num exercício de investigação) poderíamos arriscar uma regressão vertiginosa, que nos revelasse algo da dinâmica que está em jogo na constituição do filme: e se este “conteúdo bruto” tiver relação com o sujeito e seu objeto de desejo? E se este lugar (o do nosso objeto de atração) for um espaço “emoldurado” em que as pessoas vão se sucedendo ao longo da vida como as duas moças que trocam de lugar? Admitindo esta hipótese podemos partir em direção ao passado profundo desse “olhar” e nos perguntar quem, entre as pessoa que ocuparam o mesmo posto na consciência, foi a primeira e traumática revelação da própria sexualidade (em Tebas, um casal vive em pecado...).

“He Said I was his friend – Which came as some surprise...”

(((Harry Caine – Hurricane e a trindade paterna)))

Antes de entrarmos diretamente na história lembremos outro filme de Almodóvar, retomado no enredo deste como desencadeador dos eventos: O “Mulheres
à beira de um ataque de nervos” (se alguém acha que é algum outro, ou outros, me diga, por favor). Este filme tem uma seqüência inicial muito curiosa, em que um tipo maduro, de voz aveludada, vai se declarando para todas as mulheres que cruzam seu caminho. Ele é uma constante ausência na história, pois rompe com a protagonista logo no início e desaparece, enquanto o eco de suas aventuras repercute nas personagens que ele enredou. Vamos aqui botar um rótulo nesse sujeito (ou mesmo reconhecê-lo naquela moldura do desejado) para que ele não nos escape também: se trata de uma figura paterna obsessiva e caprichosa, disposta a tudo para manter-se ativa enquanto vampiriza sentimental e fisicamente suas companheiras. Agora podemos falar de “Los Abrazos Rotos”, em que esta mesma figura é apresentada de forma fragmentada, oscilando num eixo triplo.

“I thought you died alone, a long long time ago…”

(((culpa pelo gozo e o gozo na culpa)))

Aqui o diretor retoma alguns tipos conhecidos de outros filmes seus como o escritor norte-americano, o voyeur caladão, o marido traído, o deficiente físico, etc. Diremos que estas facetas têm um caráter paternal porque elas representam disposições masculinas diante do desejo. Servem, sobretudo, para proteger o “eu” do impasse criado pelo complexo de édipo, e da culpa dele decorrente. Quem já viu um outro filme em esses tipos aparecem (Kika) há de reconhecer que eles são bastante problemáticos, e que as mulheres atraídas por eles são chamadas a se libertar. No “Abrazos Rotos”, porém, eles estão arranjados de outra forma, a começar por Harry Caine cuja cegueira (como a do rei Édipo depois de sua investigação ?) resulta num sujeito pacífico e desapegado (quem se lembra de “Kika” sabe que ali ele aparece como um psicopata, assassino de mulheres). Os outros dois personagens que articulam o trio são: no passado, Ernesto pai e Ernesto filho; e no presente, Ernesto filho e Diego. Judit e Lena também aparecem em relação especular, como um antes e um depois da maternidade. Mas vejamos como os trios interagem nos dois momentos.

“I searched for form and land, for years and years I roamed…”

(((Fiz meu berço na viração... só adormeço no furacão)))


O esquema funciona de forma mais clara quando associamos estes três momentos da identidade paterna com os três níveis básicos da consciência (eu- supereu - id). Vale lembrar que nenhum desses níveis pode existir de forma independente e, da mesma forma, só podemos associar a figura de Mateo-Harry ao “eu” tendo como contrapontos:

1- No passado: Ernesto pai - “supereu”; Ernesto filho – “id”.
2- No presente: Diego - “id”; Ernesto filho - “supereu”.

E não poderíamos ler assim? Com o início do romance entre Lena e Mateo Ernesto pai é colocado à parte da ação. Ele observa tudo de um ponto isolado, tentando exercer controle sobre os demais com desmandos e caprichos (e não é ele que primeiro vem substituir o pai morto de Lena? Como os velhos que casam e recasam a procura da parceira ideal, que deverá ser sempre como uma filha, versão rejuvenescida e subjugada da mãe. Parceira a ser substituída, eventualmente, quando começar a fazer figura demasiado “maternal”.)
No outro oposto teríamos Ernesto filho, sufocado pela presença opressora do pai a quem ele obedece com fidelidade canina. Como sua sexualidade não pode encontrar expressão direta, graças à dependência em relação ao pai-supereu, ele assume a feição ambígua do id reprimido e sem voz (as pulsões são silenciosas). Esta “impotência” dá satisfação de si ao pai através das imagens com que alimenta a perversão do velho. Não admira que com a viravolta de sua morte esse caráter desprezado assuma a posição paterna com a mesma voracidade misógina e masculinizante do Ernesto pai. Mas até mesmo este supereu gay e “superconsciente”, a par das motivações masturbatórias do pai, e de suas próprias, não deixa de fazer figura de mandão e moralista. Como os sujeitos esforçados na auto-afirmação ele anseia por um filme que represente sua dominância, e assedia o eu-Harry para consegui-lo. O seu documentário, que culmina com a tentativa de suborno por parte de Mateo, vem para revelar as motivações egoístas que estavam em jogo desde o princípio. Mas percebam como a relação entre o eu e este novo supereu é mais harmônica que a primeira, pois mesmo levada a extremos as partes não podem se chantagear pelo objeto de atração (o filme), como fizeram com Lena (a essa chantagem do eu em relação ao supereu, e vice-versa, chamaremos culpa).

“I gazed a gazely stare at all the millions here…”

(((polymorphous subject)))

E Diego? Ele aparece como resultado dessa relação abrandada entre o eu e o supereu, liberadora do desejo. Daí que ele é apresentado de forma neutra ou indefinida, quase como um pré-adolescente às voltas com as primeiras descobertas sexuais. A cena em que os dois especulam sobre um filme de vampiros (gênero que pega carona nos conteúdos reprimidos da sexualidade) é curiosa, pois como já não “enxergam” a vigilância da culpa, que intensifica o prazer, eles passam a criar restrições sintomáticas, que vêm à superfície como uma deformação “incurável” e plena de gozo.
As mulheres, Judit e Lena, relacionam-se como um antes e um depois da maternidade, e estão engajadas na mesma batalha contra o supereu paterno e suas demandas “vampirizantes”. Por outro lado elas também representam um impasse feminino, certa atração “filial” que por vezes se desenvolve com relação ao companheiro. Esta “assunção da maternidade” num relacionamento entre iguais vem dar vazão a uma culpa primordial com relação à própria mãe, cujo marido ela uma vez desejou, ainda que “quase como a um filho”, o que aliviaria o choque desta descoberta. Pra conhecer essa ciranda feminina bem de perto vale a pena assistir o Cidade dos sonhos, do David Lynch (e Twin Peaks, e o Império dos sonhos!).

Até.












quinta-feira, 20 de maio de 2010

O sonho dentro do sonho - Alice de Tim Burton


her name is Mary-Ann...










"A candy-colored clown they call the sandman..."

É isso aí, o filme em 3 dimensões conta um história que oscila, ela também, entre uma segunda e uma terceira "esferas de consciência". Elas alegorizam os desafios enfrentados por um ‘eu’ sob grave ameaça. Mas como assim?

Pra ajudar podemos ler a cena do noivado secreto que inicia o filme como um sonho. Não apenas porque os personagens sejam apresentados de forma tipificada e inverossímil, mas principalmente porque a situação aterrorizante que se desenha (a de uma moça que não tem a menor influência sobre o próprio destino, passada adiante em casamento como uma mercadoria) não parece impactar a protagonista de forma direta. Ali, como num sonho, sua identidade se encontra esfacelada, distribuída entre aquelas figuras que decidem sua sorte. Daí que ela começa sua investigação acompanhando o coelho, o desejo encasacado, forçada a regredir a uma fase do desenvolvimento em que esteve diante de descobertas, e escolhas, igualmente terríveis.

Ao pé de uma árvore partida está o acesso que leva ao segundo sonho ( não lembra os filmes do David Lynch, em que um tronco caído representa a derrocada momentânea do pai? A ausência de autoridade é experimentada como a vertigem da indefinição, a oscilação do eu diante dos chamados do desejo).

Neste terceiro nível a identidade de Alice é posta em questão de forma direta, e os obstáculos da cena anterior assumem feições alegóricas ainda mais "primitivas" (talvez não seja a toa que hajam tantos jogos de palavras, associando essa busca da consciência de si com aquela que se dá nos primeiros estágios da aquisição da linguagem).

Mas que noticias nos dá essa vida subterrânea daquilo que acontece na superfície da superfície? Lá onde a história não chega a ser contada? Bom, vamos tentar mais afirmações arbitrárias:

- A rainha vermelha está em clara relação com a figura paterna. Ela demanda uma série de caprichos violentos (que são como as "coisas impossíveis" em que cria o falecido pai), e faz uma idéia tão exagerada de si mesma que bloqueia qualquer forma de autocensura. A desproporção da cabeça em relação ao corpo nos lembra uma criança de colo, que fala apenas para expressar suas vontades, aos gritos. A ligação possessiva com o valete/pai/cunhado representa os limites dessa cegueira, que para tranqüilizar-se espezinha os mais fracos em busca de auto-afirmação.

- já a rainha branca aparece como um exagerado supereu materno, cujos maneirismos e não me toques remetem ao sacrifício do desejo da fase edipiana, em que a mãe se converte num modelo de passividade e espiritualidade para a menina.

- Apresentados tais extremos de identificação devemos chamar a atenção para a figura do chapeleiro, que funciona como um alter-ego masculino para Alice (ele se confunde com os gêneros, detesta a rainha vermelha/pai que o separou da antiga harmonia com a rainha branca/mãe. E não seria ele um híbrido das duas rainhas?).

- Como num sonho, cada personagem pode ser desdobrado como aspectos da personalidade de Alice, e depois interagir em grupos restritos, que articulam informações específicas sobre a constituição da identidade da moça. O que todos esperam dela, a destruição de Jabberwocky, é a assunção do desejo, que advém do sacrifício do desejo pelo pai (e do pai). Decapitado o monstro o eu/Alice recupera certa inteireza de si e dá um passo em direção à subjetividade.
Então a história retorna para o cenário de sonho anterior, e os personagens se revelam para ela em sua dimensão simbólica. Segura de si ela os dispensa com conselhos racionalizantes, que funcionam como barreiras a defender sua individualidade (e de novo fazem eco com as crenças nas coisas impossíveis do pai).

Como a recusa ao casamento não resolve a contradição, pois ela continua privada de liberdade, a protagonista estabelece um segundo contrato com a figura paterna, propondo expandir a distância que a separa daquele meio. Recua para um momento posterior do desenvolvimento do eu, não mais a fase egoísta e infantilizada da rainha bebê, mas uma aventureira adroginia pré-adolescente. Na proa do barco que a levará para China ela está vestida com uma espécie de casaca/vestido, e tem os cabelos arrumados num modo que nos faz lembrar do chapeleiro ou da tia Imogene (parece que Imogen é o nome de uma personagem de Shakespeare. Falsamente acusada de adultério ela deve fugir do marido, através de uma floresta, vestida como um homem).

http://en.wikipedia.org/wiki/Imogen_(Shakespeare)

A custosa emancipação feminina (que não pode realizar-se naquele contexto histórico) aparece como uma intuição da moça. Pois seria apenas no mundo liberal, do fluxo livre de mercadorias e pessoas (mercadoria-pessoa), que mulheres em massa poderiam se livrar do julgo da dependência e da infantilização.

Mas, pensando nas condições da produção industrial, ontem e hoje, devemos nos perguntar: o que aconteceu com Adèle Hugo?