‘À prova de morte’ e o sujeito polimorfo na selva da linguagem
Vol. I
[It’s no longer your film…] 1
+Soon as her frantick eye the lyrist spy'd,
See, see! the hater of our sex, she cry'd.__
++ "O inconsciente masculino possui duas vias de saída para essa ansiedade da castração: preocupação com a reencenação do trauma original (investigando a mulher, desmistificando seu mistério), contrabalançado pela desvalorização, punição ou redenção do objeto culpado (o caminho tipificado pelos temas do filme noir); ou então a completa rejeição da castração pela substituição por um objeto fetiche ou a transformação da própria figura representada em um fetiche, de forma a torná-la tranqüilizadora em vez de perigosa (o que explica a supervalorização, o culto da star feminina)." ____
+++ “Não é culpa minha, como se costuma dizer, se a psicanálise questiona no plano teórico o desejo de conhecer, e se, em seu discurso, coloca-se por si mesma num aquém que precede o momento do conhecimento.” ______
diamba...
(((There must be some way out of here)))
A fita de Tarantino começa um close dos pés de Arlene (ou Butterfly) cruzados sobre o painel de um carro em movimento. Eles são observados de um ponto de vista que seria tanto o dela própria quanto o nosso, de espectadores: como se estivéssemos nos colocando nos pés da moça, e vendo o mundo através de seus olhos. Assim, o fetiche confesso do diretor vem em seu socorro para estabelecer uma relação inesperada entre a audiência, a personagem e um terceiro elemento, em si mesmo traumático: o diretor-câmera e seu dublê voyeur em cena: o assassino. Lembremos que nos créditos iniciais o título “original” do filme, Tarantino’s Thunderbolt, foi substituído por Death Proof numa montagem tosca, que nos permite ver como ele se chamava antes. Aqui, a idéia de um raio que se abate sobre alguém com violência vem reelaborada em um “À prova de morte”, ou seja, um evento (traumático) que se repete dentro do tempo indefinidamente, e que carrega em si as marcas de uma separação fundadora: a de gênero.
Não é preciso dizer que nossa leitura será bastante tendenciosa, e terá sempre como base a construção da identidade para entender a articulação dos elementos em cena: o filme, feito de retalhos de outros filmes, simula uma produção B dos anos 70. Este procedimento vem refletir sobre as personalidades que se nutriram dessas “imagens ideais”, vindas da tradição imediata do cinema comercial. Devemos pensar, sobretudo, na infância e na adolescência, quando os modos desses heróis em cena fundamentam a constituição das máscaras sócias, e sexuais, dos indivíduos expostos à sua influência.
Supereu - Eu - Id
Groucho - Chico - Harpo
Jungle Julia – Arlene / Butterfly - Shanna Banana
Três é demais
(((If you cannot bring good news, then don't bring any)))
[I don’t think you would love me if I were poor…
Yes I would, but I’d keep my mouth shut] 2
Quem assistiu ao filme sabe que ele se organiza de forma especular, em que dois grupos de mulheres são atacados pelo mesmo assassino, que utiliza um carro contra as vítimas (aqui só comentaremos os eventos até o primeiro “acidente”, por isso o Vol.1 lá no começo). As personagens principais são Julia, Shanna e Arlene: amigas dos tempos de faculdade. As três estão dentro de um carro e pela conversa descobrimos que estão saindo com outros rapazes, além de esperar a chegada de um diretor de cinema à cidade, com quem Julia tem um caso. Dado momento, Julia e Shanna começam a interrogar Arlene sobre seu encontro noturno com um dos rapazes, Nate. Ela conta às amigas que eles se pegaram por alguns minutos no sofá de seu quarto e então ela pediu que ele saísse, pois não queria transar com um sujeito que acabara de conhecer.
Aqui gostaríamos de parar um instante e atribuir uma classificação arbitrária as três personagens que, por estarem afetivamente conectadas, ou talvez, por “ocuparem o mesmo veículo”, interagiriam (de forma inconsciente) segundo certas estruturas psíquicas. Tais estruturas foram descritas à exaustão pela psicanálise, e nos serviremos delas como ponto de partida, logo: eu, supereu, id estariam para, respectivamente, Arlene, Julia e Shanna (conferir o documentário "The perverts guide to the cinema", com Slavoj Zizek, em que a mesma relação é sugerida para os Irmãos Marx).
Voltando à história contada por Arlene, percebemos que algumas informações podem estar faltando: mais tarde ficará claro que a relação dela com Nate não funciona, e que ambos se esforçam em representar algum afeto para o restante do grupo, apesar do desinteresse mútuo. Nate e Arlene estariam no lugar do eu (também Shanna e Julia têm seus equivalentes masculinos, como veremos adiante, mas a relação entre eles é ainda mais distanciada). Logo, precisam lidar com as exigências vindas das duas outras esferas (id-supereu), ainda que isso signifique trair a própria vontade.
Partindo dessa leitura as histórias contadas por Shanna e Julia assumem outra perspectiva: o diretor de cinema, que é a paixão de Julia (Chris Simonson) está no lugar ideal como um companheiro que significaria pra ela segurança financeira e reconhecimento social (o amigo Jesse Letterman, o "amor por correspondência", está reservado para o eu-Arlene). No outro extremo temos a história de Shanna e seu pai, descrito como um texano conservador e sexista, que não quer que ninguém (ninguém mais?) transe com sua filha na casa do lago que lhe pertence. Aqui seria interessante apontar a ligação entre o diretor, Nate e o pai de Shanna: tipos que se “concentram” na figura do assassino-voyeur-diretor, que já as está seguindo.
O carro delas, então, desaparece, literalmente, numa curva do caminho, por conta de um "erro" de edição. No instante seguinte ele é substituído pelo carro do assassino: aqui o conceito de “mediador evanescente” (vanishing mediator - http://en.wikipedia.org/wiki/Vanishing_mediator) talvez nos revele a dialética que se opera entre os elementos masculinos e femininos em cena: quando o conflito de interesses, tese x antítese, atinge certa “massa crítica”, o momento que antecede a substituição de ambos os conceitos pela síntese necessita de um mediador evanescente, que ao final deve desaparecer. “A vanishing mediator is produced by an assymetry of content and form”, nos diz Zizek. Assim, os corpos masculinos e femininos são substituídos por dois carros, ou seja, formas idênticas que forçam uma crise sobre os conteúdos distintos, as identidades sexuais:
http://www.lacan.com/zizekchro1.htm
“Zizek sees in this process (do mediador evanescente) evidence of Hegel's "negation of the negation", the third moment of the dialectic. The first negation is the mutation of the content within and in the name of the old form. The second negation is the obsolescence of the form itself. In this way, something becomes the opposite of itself, paradoxically, by seeming to strengthen itself .
(“…content changes within the parameters of an existing form, until the logic of that content works its way out to the latter and throws off its husk, revealing a new form.”).
In the case of Protestantism, the universalization of religious attitudes ultimately led to its being sidelined as a matter of private contemplation. Which is to say that Protestantism, as a negation of feudalism, was itself negated by capitalism.”
Güero’s
ou as loiras preferem as loiras
[I hate you. I hate us both.] 1
(((Out of six million sperm cells I came in first and won a warm moving body)))
No início da seqüência seguinte, no bar mexicano, temos outra falha de edição que vem nos recordar que estaríamos assistindo a um filme recuperado. Este recurso do diretor, aliás, pode ser observado ao longo de toda a fita, em que as tomadas selecionadas foram necessariamente as melhores, sem se preocupar em demasia com questões de continuidade (é curioso notar como o cabelo e a maquiagem de Arlene mudam ao longo dessa cena). Existe uma relação entre essa liberdade por parte do diretor (que joga limpo conosco, deixando à vista seus recursos expressivos) e Marcy, a amiga de Julia que se aproxima das três por um instante.
Essa moça tem os dizeres "L'ultimo buscadero" em sua camiseta: se trata do nome de um western com Steve McQueen, que representa um cowboy atravessando uma crise de identidade (atrás de Arlene vemos o cartaz do filme "Las tres Elenas", um clássico mexicano que conta a história de um tipo que vive com sua mãe, filha e sogra, as três com o nome 'Elena'. Mãe e filha acabam por se apaixonar pelo mesmo rapaz, que também vive na casa). Quando Marcy (a amiga de passagem) começa a interpretar trejeitos masculinos para revelar à Arlene a obrigação que as amigas lhe impuseram (dançar no colo de um desconhecido), percebemos aquilo que está na base das imposições de grupo e dos rituais de aceitação. Essas moças seguras de si, bancando as supersexy, não são diferentes dos tipos violentos de outros filmes de Tarantino, que devem provar seu valor diante dos pares não fugindo aos desafios que se apresentam: é necessário manter o sangue frio, a acuidade expressiva e a disposição para agir. Aqui o dito “não se nasce mulher: torna-se”, revela sua dimensão total graças à interpretação da atriz: os modos masculinos e femininos são aprendidos por imitação, e não por alguma tendência natural, ou coisa que o valha. Assim, os sujeitos mais vis e truculentos, e as mulheres mais delicadas e espirituais em nossa sociedade, estão intimamente ligados pelo uso consciente que fazem desse aprendizado dos modos.
A figura ideal e esperada (o diretor), e a ameaça secreta (o assassino), são opostos da mesma moeda, funcionando como a disrupção que deve liberar a personagens e testá-las em sua fibra. Não por acaso ele se sente atraído pelas mais independentes, que sabem que postura e segurança são formas de repelir o abuso e se colocar pela igualdade.
“Alcohol is just a lubricant”
ou ninguém faz amigos bebendo leite.
[I kill YOU for money!...no, alright, you’re my friend: I kill you for nothing] 2
(((Waiting for lively moments to come to them like victims)))
Já no segundo bar as moças se encontram com seus equivalentes masculinos: os rapazes são apenas acompanhantes, e devem ser dispensados com a chegada do diretor. Ao mesmo tempo Julia também espera por Lanna Frank, uma amiga que vem pra lhes trazer fumo e que sinaliza, com seus modos, uma liberdade não tão distante da que as três gozam. Antes de Lanna Frank chegar, porém, os três casais bebem juntos por algum tempo: a articulação entre eles e os demais presentes no bar, além das inúmeras mensagens espalhadas pelo cenário, nos interessam. Por ignorância deixaremos passar a maior parte dos sinais, infelizmente. Outros tantos parecem algum tipo de piada interna, ou mensagens pessoais voltadas para Sofia Coppola, a quem a fita é dedicada (o personagem do último filme dela, Somewhere, passa os primeiros minutos da história com uma camiseta da Associação dos Dublês, ou algo assim). A dedicatória (não sei se é uma dedicatória secreta, as indicações estão no próprio filme) não vem por acaso: a fita nos parece um esforço de desvendar o fracasso de um relacionamento marcado por uma grande admiração mútua. O conflito pessoal aqui se universaliza ao focar a relação homem-mulher, e necessita, por fidelidade investigativa, apresentar o seu revés perverso e patético.
[Despues de conocerte, tengo que mirar al suelo. Tengo que mirar la mierda de los perros para no mancharme las manos. !Los charcos! Las pozas…] 4
(((Your sons and your daughters /are beyond your command)))
Pam
“I'm built like a girl, not a black man...”
Pam não faz parte do grupo dos seis amigos: a moça foi abandonada no bar pelo namorado em plena chuva. A cena foi vista apenas por Nate e Arlene, que ao tentar contá-la às amigas acaba reprimida por Julia. A verdade é que Pam e Julia foram inimigas de escola, e se opõem como figuras modelares distintas. No caso de Pam, porém, ela aparece como um exemplo negativo, na forma de uma exageração dos modos femininos: daí que ela se liga ao assassino, o dublê Mike, apesar da grosseria do outro, apenas para não ficar sozinha. Passividade e infantilidade se combinam nela para suportar o desrespeito do parceiro. Na cena em que Pam se queixa ao dublê da truculência de Julia, ela aparece em um plano que deixa seu rosto coberto pelos cabelos, como se usasse um véu (burca?). Negando-se a enxergar os sinais de perigo que vêm do outro, ela se deixa conduzir por uma teia de “desconhecimentos”, que culminarão com a cena mais desconfortável do filme, em que ela é assassinada. Aqui o carro (ela é conduzida pelo assassino dentro de uma caixa de vidro, em um carro em alta velocidade) nos parece o modelo de um casamento desgastado. Não por acaso é como nos filmes de terror dos anos 70, os mesmos anos que viram certa emancipação da mulher por meio da popularização do divórcio. Esses “golpes” dados na moça são um exemplo de violência doméstica, forma de violência mais comum contra as mulheres.
Vejamos agora os rapazes que acompanham as heroínas:
Nate
(((I jump back, I wanna kiss myself)))
Ele é o equivalente masculino de Arlene: usando a mesma fórmula psicanalítica aplicada às garotas, Nate estaria no lugar do eu. Dov, o grandão usando a camiseta em que se vê um crânio e a palavra "morto", seria o supereu; enquanto Omar, o caladão com uniforme de mecânico (muito parecido com o uniforme que veremos no dono do Dodge branco, na segunda parte do filme) seria o id. Voltando ao Nate, ele é o sujeito que participa da história contada por Arlene dentro do carro: o que ele próprio contou aos amigos não deve ser diferente, também uma história plausível.
A verdade é que as coisas não correm bem no primeiro encontro dos dois, muito provavelmente por insegurança (notemos que os dois personagens são ambíguos, alternando trejeitos masculinos e femininos). A cena do diálogo entre os dois esclarece alguns pontos: primeiro Arlene está na varanda, observando o carro do assassino, e quando o amigo lhe toca o ombro ela se assusta. A tensão (atração) que vem do veículo ameaçador (fálico?) se dissipa com um grito e alguns xingamentos. Nate diz que não teve intenção de assustá-la, que apenas deu sorte. Em seguida propõem a moça que os dois dêem uns amassos no carro dele, ao que ela diz sim, apesar de não se sentir especialmente atraída por ele. Enquanto espera pela resposta o rapaz não tenta convencê-la com gestos de afeição, e move a cabeça como um pássaro: sua excitação, aumentada pela hesitação dela (ou por estimulação artificial?) transparece na sua figura como a urgência de uma ereção. Ambos vão para o carro do rapaz, que promete que ela “não vai ficar molhada”, por causa da chuva. A piada pronta sobre a excitação da moça vem pra nos indicar os motivos que estão em jogo.
Dov e Omar
(((With a tongue like a cow / She could make you go wow)))
O grandalhão supereu, com a camiseta escrito “morto”, formaria casal com Shanna (aqui temos um esquema cruzado em que Shanna como id se ligaria ao supereu Dov. O mesmo vale para Julia e Omar). A verdade é que tirando a mascarada do relacionamento Nate-Arlene, os outros dois casais estão ainda mais distantes entre si. Vejamos o que acontece no diálogo entre Dov e Omar: nele a postura de Dov é agressiva, e se refere às moças como um inimigo a ser derrotado. O discurso contrasta com a atitude passiva e subserviente que eles demonstram diante delas (os dois estão no balcão, comprando drinks elaborados pras duas). Ao lado deles está o assassino dublê Mike e Dov faz troça de sua aparência, a exemplo do que Julia faz com Pam na cena anterior. Assim, os seis personagens se opõem ao “anti-exemplo” representado por Pam e o Dublê Mike através de suas figuras ideais (Dov e Julia).
Las meninas
“If they do something you do something”
TeXXas
[This is the girl. This-is-the-girl] 1
(((Trash me for my life / beyond this world that we despise)))
Julia
(((Filho meu, não inveje o homem violento, nem siga nenhum de seus caminhos)))
A personagem de Julia, como sugerimos, representaria o ideal: ela é caracterizada como uma mulher objetiva, segura e bem sucedida, além de muito inteligente. Como foi dito ela tem uma atração platônica pelo diretor de cinema e a expectativa de vê-lo parece tê-la tirado dos eixos, ainda que ela se esforce por esconder dos que a rodeiam. Se lembrarmos de sua primeira aparição ela está fumando maconha sozinha em seu quarto. Logo depois, a primeira coisa que faz dentro do carro é perguntar quem tem fumo, e perder a paciência ao ouvir resposta negativa: ela parece estar numa fase de uso mais intenso, e prefere manter suas reservas a dividir com as amigas. O recurso a Lanna Frank, ao invés dos rapazes, para conseguir um baseado é outro gesto de independência que as garotas performam durante o filme. Se pensarmos que o diretor de cinema e o pai obsceno de Shanna estão ligados entre si (a ponte seria o dublê Mike, o assassino, o voyeur, o diretor, o ideal paterno distanciado), Lanna Frank apareceria em oposição a essas figuras, que já não teriam poder para seduzi-la ou ameaçá-la.
No restaurante mexicano, o desafio que Julia impõe a Arlene é explicado pelos versos que ela escolheu (poema de Robert Frost, Stopping By Woods on a Snowy Evening): o desejo (the woods) e a identidade (the promises) devem seguir lado a lado em meio as aventuras sentimentais. O caminho, que não pode ser abandonado, deve ser encarado com desembaraço e espírito independente, de modo a se colocar à altura dos desafios que vão surgindo.
A imagem de Julia dançando no bar é curiosa: sobre a jukebox atrás dela vemos 4 letras X em neon (cromossomos sexuais XX?), na mão direita Julia tem um cigarro, na esquerda um copo de cerveja, mais atrás num quadro negro na parede lê-se os dizeres “obrigado por nada” : é como uma vitrine em que se encontram expostos objetos fetichizados pelo olhar, incluindo aí a moça (a frustração amorosa funcionaria como um motor para o consumo obsessivo desse “Outro”, reduzido a fontes comerciáveis de gratificação oral). Na seqüência Julia, Arlene e Nate voltam para a mesa: agora o grupo está completo com três casais. É interessante notar que Julia e Arlene se sentam à cabeceira da mesa, com as pernas voltadas para a passagem, numa atitude dominante que visa proteger o território ocupado pelo grupo.
Julia faz uma ligação para Lanna Frank e aproveita pra mandar uma mensagem para o diretor: aqui vemos que o esmalte das unhas está descascando, possível sinal de instabilidade. Quando o diretor responde a mensagem, vemos ao fundo o sorriso cínico de Omar (o id). Então a conversa entre Dov e Shanna nos dá outra indicação, quando ele se confunde com o nome dela. O que se percebe é que a idealização é de mão única, e o diretor não tem a mesma intenção (ou qualquer intenção) de revê-la: ela é um nome numa lista de celular, passível de ser confundida, ou substituída, por outra pessoa.
Mais adiante, quando estão todos fumando na varanda, Julia é abordada pelo dublê Mike, que faz o tipo bêbado entrão pra se aproximar. Antes da conversa entre os dois, porém, nós temos um close das pernas de Julia molhada pela chuva: o recorte fetichizado de uma parte do corpo, tornado objeto pelo olhar. Na cena do acidente o mesmo recorte se revelará em sua feição perversa, quando a perna é amputada.
Shanna
(((Turn off the sentences / and turn on the senses)))
A personagem de Shanna estaria em relação com o real, o corpo em si mesmo (o id? Harpo?). Retomando a cena da conversa no carro, lembremos do paralelo traçado entre o diretor de cinema, paixão de Julia, e o pai chauvinista de Shanna, dono da casa no lago (é curioso como o sotaque sulista da moça fica mais carregado quando ela fala do pai). Das três Shanna é a que parece mais estável: ela não está envolvida num caso de fachada como Arlene, nem apaixonada por um sujeito distante como Julia. Sua relação com as figuras masculinas negativas (diretor de cinema, pai dominador, assassino voyeur) se dá por intermédio do próprio pai, cujos modos francos têm um efeito esclarecedor, para ela, da natureza das relações. Tanto é assim que ela é a primeira a insistir em que as outras duas não devem passar aquela noite com ninguém, pra gozar das vantagens e da proteção da casa do lago. Shanna é a que parece mais sociável com os rapazes e seus trejeitos são um tanto infantis, andróginos (ainda que Arlene e Julia também oscilem no quesito androginia). Na sua última aparição no bar, quando ela chega junto de Lanna Frank pra fumar, a cena se desenrola em dois planos, pois ao fundo estão os três rapazes: atrás de Shanna está o grandalhão Dov, com a cabeça cortada pelo enquadramento e a inscrição “morto” no peito. Atrás de Lanna Frank vemos Nate sentado com o rosto na linha da cintura de Omar, que está de pé. Como Nate está tomando uma cerveja tem-se a impressão de uma felação entre os dois. Desse modo temos, no primeiro plano, o gesto “rebelde” de uso de entorpecente, enquanto ao fundo os elementos masculinos encenam outra forma de liberação: como o supereu masculino aparece devidamente neutralizado, decapitado pelo enquadramento, os outros dois elementos se encontram livres de sua influência reguladora, encenando a vontade reprimida. Percebam que com o supereu Lanna Frank acontece o contrário: sua presença deve ser fortalecida para liberar as moças da presença reguladora de agentes externos a elas (pai-dublê-diretor). Não por acaso é Lanna Frank quem guia o carro no momento do acidente, e é a única que não termina “fragmentada” como as outras três.
Arlene
(((Our Father would not like the way that you act / and you must realize the danger)))
[La gente como tú y como yo no nacimos para matar. Podemos herir a los demás. Diria incluso que poseemos un don especial para eso.] 4
Em seu “Três ensaios sobre a Teoria da Sexualidade” Freud isolou, entre os instintos componentes da sexualidade, a escopofilia, que estaria ligada ao prazer de tomar outras pessoas como objeto, sujeitando-as ao olhar. Como se trata de uma fase do desenvolvimento psíquico, as crianças apresentam essa escopofilia por meio de uma curiosidade com relação aos genitais alheios e suas funções excretoras.
Na seqüência inicial do filme temos vários recortes sensuais do corpo de Julia, culminando com a corrida desesperada de Arlene, que está apertada pra mijar, e nos é mostrada apenas da cintura pra baixo: a atração exercida pelos corpos fragmentados recompensa essa escopofilia, e atinge seu ápice ao revelar uma necessidade interna à dona dos quadris que ocupam a tela. Assim, o diretor se utiliza dessa relação vouyeurística para com as mulheres em cena e descarrega a negatividade de seu lugar controlador na figura do assassino. Ao mesmo tempo a construção das personagens e os elementos em cena (que vão de um poster gigante de Brigitte Bardot a cartazes de filmes antigos, outdoors, camisetas, letreiros em neon, canções. Aliás, numa das paredes vemos o cartaz do filme Soldier Blue, de Ralph Nelson, que pode ser visto no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=F_URVOQGvb0 . O filme tem uma levada bem engajada ao denunciar o chauvinismo e a opressão por meio de uma persona feminina moderna, “artificialmente” introduzida num meio repressor), vão na direção oposta, revelando mecanismos de opressão que pesam sobre a figura feminina na história do cinema. E aqui citamos o ensaio de Laura Mulvey, "Prazer visual e cinema narrativo", que nos tem servido de guia e modelo:"Num mundo governado por um desequilíbrio sexual, o prazer no olhar foi dividido entre ativo/masculino e passivo/feminino... a presença da mulher...num filme narrativo comum... tende a congelar o fluxo da ação em momentos de contemplação erótica... Segundo Budd Boetticher: 'O que importa é o que a heroína provoca,...o amor ou o medo que desperta no herói.. em si mesma a mulher não tem a menor importância'".
Tarantino neste filme não vai à contramão dessas formas masculinizantes do cinema comercial, mas subverte o uso dessas fórmulas ao utilizá-las de modo consciente, em chave de denúncia. Mas voltemos a Arlene:
Aqui gostaríamos de fazer algumas suposições, para preencher as lacunas dos eventos que não nos são revelados explicitamente.
A história detalhada que Arlene conta no carro , como já dissemos, não nos parece inteiramente verdadeira. Vejamos algumas hipóteses do que poderia ter acontecido de fato: Nate e Arlene acabam de se conhecer, ela tem uma atitude mais robusta e decidida; ele parece o contrário, um tipo inseguro, preocupado com a aparência. É possível que sozinhos no quarto dela a conexão entre os dois não se tenha estabelecido. Arriscaríamos dizer que por conta de seus modos mutuamente excludentes o encontro resultou numa brochada (dele?dela?ambos?), que deve ser mascarada por Arlene no relato. Mais adiante, na cena em que Arlene está dançando com Julia e Nate, o rapaz está colado atrás dela. É o único momento de proximidade física entre os dois que, em comparação a Julia, dançam de um modo artificial, sem entrega. E aqui levantamos uma hipótese, que não pode ser comprovada: e se Nate tomou algum tipo de estimulante (viagra) e estava "mostrando" a Arlene, durante a dança, que aquela noite poderia ser diferente? A história funciona bem sem essa hipótese, mas ela também explicaria a insistência de Nate em dar uma escapada com a moça durante a chuva. Seguindo a lógica dos ideais Julia e Dov, o parceiro(a) deve ser entendido como uma espécie de adversário, para que os interesses dele(a) não se sobreponham aos nossos. Também Arlene quer passar a impressão de ser segura e sexuada, daí que ela aceita o convite para ir ao carro, escapada que dura o tempo de...uma felação? Algumas carícias? Outra brochada (se com viagra, brochada dela: "you won't get wet")? Nesse meio tempo eles testemunham a separação de um casal e Pam sendo deixada à deriva no bar. Como já foi dito ela estaria para uma espécie de feminino negativo, e por estar numa relação de dependência com o ex-namorado termina abandonada ali sem recurso.
De volta para o bar Arlene finalmente conhece o dono do carro que as vem seguindo, pois ele está sentado no balcão: o dublê Mike. Ele entra no bar vestindo um casaco prateado com os dizeres "ICYHOT" nas costas (no ombro lê-se: husk=casca). A apresentação adolescente de si serve para desviar a atenção das moças, ao mesmo tempo em que revela alguns mecanismos de auto-afirmação masculinos, associados à figura do herói hollywoodiano valentão e infantilizado. Ao lado dele o supereu Dov faz piada do dublê (do mesmo modo que Julia reprimiu a história de Pam). Aliás, Julia chama Pam de "hippie suja": não seria um modo indireto de ofender Arlene? Ou de protegê-la da imagem de si mesma, pois não é ela quem usa um cabelo quase sem corte, chinelo de dedo, uma camiseta com um desenho da ponte de São Francisco?
Assim, o segredo de Nate e Arlene (a ida ao carro) revela o anti-casal Pam-dublê Mike. E se repararmos bem, o dublê Mike, por debaixo da jaqueta, está vestido de forma idêntica à de Nate: camiseta preta, relógio, pulseira, jeans, o cabelo pra trás. Logo, a atração dela pelo dublê Mike (ela tenta chamar a atenção dele dançando a música de Joe Tex, conferir letra ) a coloca em relação direta com Pam: o casal fracassado dublê-Pam se torna uma projeção do casal fake Arlene-Nate.
Afinal, por que Arlene se sentiria atraída pelo sujeito mais patético do bar se não pelo fato de que ele as vem seguindo por todo o caminho? E mesmo a insistência de Pam em estabelecer conversa com o dublê, perguntando sobre sua carreira (de diretor de cinema?), não seria uma forma de valorizar para si aquele sujeito estranho, disperso, rude e infantil?
Ao final, quando Arlene é abordada pelo dublê Mike com o poema é na verdade a imagem de um Nate idealizado que a move: atraído, atraente e viril. Que demonstra um desejo maciço (ereção) e assutador por ela ("it's your car..."), como um segredo escondido na carapaça de um loser decadente, maduro, e que só ela conhece “de verdade”. A associação com a figura paterna aqui fica evidente ( daddy,,, he's totally harmless...), e se inverte para permitir a Arlene gozar de uma excitação "primitiva".
Quando ela recusa fazer a dança mesmo sem querer recusar (intervenção de Julia), o dublê saca um livro vermelho do bolso e ameaça registrá-la ali como uma covarde. O gesto tem um efeito estranho sobre ela, que muda de idéia imediatamente.
Diz-se que no sadismo o prazer está ligado à determinação da culpa, e com isso pode se conectar à idéia de um pai punitivo (ou protetor), e ao complexo de castração. Desse modo ela se deixa "obrigar", de forma masoquista, por essa figura sádica que detém o perdão e a punição. Ela o faz em atenção não apenas ao próprio desejo (e ao excesso que se pode conseguir por meio da submissão...), mas também à comunidade de mulheres que a rodeia, cuja aprovação lhe permite o gozo.
A cena da dança no colo do dublê Mike é instrutiva: todas as que estão assistindo são do sexo feminino, exceto pelo próprio dublê e um atendente que, salvo engano nosso, dá-se a entender que é gay. Logo, tendo a aprovação da comunidade de mulheres e a presença solitária de seu escolhido, ela pode se entregar a um exibicionismo ativo. Esse reconhecer-se como objeto de atração do outro está ligado à (ou se inaugura na) relação ambígua que a criança estabelece com a figura paterna durante os primeiros estágios de desenvolvimento e a formação do supereu. A paixão pelo pai, que também deve ser simbolizada, passa no caso feminino a um retorno amargurado à figura da mãe, com quem é “forçada” a identificar-se. Já da perspectiva do dublê Mike a cena da dança tem outros aspectos, que retomaremos adiante.
Depois do corte brusco no final da apresentação de Arlene temos um momento bem deprimente, que sublinha a frustração nas ligações estabelecidas entre as personagens: Arlene e Julia estão bêbadas, e seus rostos são apresentados com feiúra proposital. De saída elas começam a caçoar de Pam por acompanhar o patético dublê (ainda que as duas tenham sido rejeitadas por seus ideais na mesma noite). Pam responde que não transaria com um sujeito com idade pra ser seu pai, ainda que continue a seduzi-lo. Aqui de novo a aprovação do meio interfere para mascarar uma verdade: a disposição de Pam (e de Arlene) para transar com um sujeito que, apesar da esquisitice, apresenta um afeto palpável por ela.
Os eventos que se seguem representam a tristeza do desinteresse, daquele que, depois de alcançado o gozo (um diretor de cinema famoso seduzindo jovens locais? Um sujeito endinheirado que gosta de ver as amiguinhas da filha de biquini? Um assassino de mulheres que mata as que ele considera fortes e libertárias?), por meio de influência e subterfúgios (ou sorte), depois não se sente inclinado a engajar em um relacionamento tradicional. Ainda que em sua sedução ele leve as coisas até o limite, colocando a si próprio na zona de impacto; o lugar em que ele se encontra é protegido na medida em que fetichiza seu objeto de desejo, afastando-o de seu pensamento. O "auto-sacrifício" parcial desse modelo masculino (duck fucker, a voz do falo), entra na conta do suicídio lento do álcool e do tabaco, que preserva a virilidade.
http://www.youtube.com/watch?v=utjkEZAY-MQ
Pensemos o interior do carro das moças pouco antes do ataque: Arlene está sentada no banco de trás: é a única que usa o cinto de segurança (em sintonia com o dublê que vem aí). Quando o carro do assassino surge do nada a seqüência se fragmenta pra dar conta do que aconteceu com elas: Lanna Frank fica constrangida entre o volante e o acento, enquanto as outras três têm suas partes erotizadas durante o filme transformadas em objeto por meio da mutilação.
Dublê Mike
((( What a hard man fe dead)))
[Your mother sucks cocks in hell, Karras!] 3
+++“Isso quer dizer que o significante gera um mundo, o mundo do sujeito falante, cuja característica essencial é que nele é possível enganar.”______
Até agora estabelecemos relações entre o dublê Mike, Nate e seus dois amigos, o diretor amante de Julia, o próprio diretor Tarantino e, no limite, o pai obsceno de Shanna. O evento desencadeador da história, segundo nossas especulações, seria a relação frustrada entre Nate e Arlene. Agora pouco descrevemos quais seriam os elementos em jogo na articulação do desejo de Arlene: mas e quanto ao dublê e todos esses fantasmas que ele representa? Por que sua perversão é um compacto da experiência de todos os elementos masculinos referidos acima?
Vamos começar por Nate e desde já ser bastante cruéis com ele: digamos que foi por conta de uma ereção frustrada que a relação não pôde acontecer. Segundo a psicanálise, os eventos de impotência psíquica atingem, usualmente, sujeitos que apresentam libido excessiva, e precisam se desviar, a todo custo, de objetos incestuosos. Assim, a atração despertada pelo(a) parceiro(a) deve superar essa auto-censura para permitir o gozo. Porém, às vezes, por motivos que vão do nervosismo a um excesso de identificação com o objeto, o sujeito se vê aprisionado pela censura. A situação constrangedora poderia ser resolver com um pouco de paciência das partes, mas aqui, como a história nos é contada de forma parcial, não temos como saber o que realmente aconteceu. O que se pode dizer é que se trataria de uma situação traumática para ambos, não apenas pelo abalo à vaidade dos envolvidos, mas também pelo medo de ser descobertos, o que os uniria numa espécie de “marginalidade” pudica.
Nos tempos do gozo obrigatório o excesso de pudor se transforma em ato obsceno, e os personagens refletem essa crise: o pudor visto como obscenidade se liga a fases primitivas da constituição do eu, pois esse pudor se originaria da repressão das pulsões incestuosas. O esforço do filme nessa primeira parte é a acessar esses conteúdos reprimidos na psiquê de ambos os sexos: mas vejamos de que forma o dublê Mike reflete essa regressão forçada pelo trauma-brochada:
[La cocaína seca las lágrimas] 4
(((I live across the channel with a telescope)))
O dublê Mike está seguindo as moças há algum tempo, e já tem fotos das três. Aliás, porque dublê? Digamos que o dublê é aquele que substitui o eu ideal dos artistas na tela, e arca com as conseqüências reais dos acontecimentos no lugar deles. No limite somos todos dublês de identidades ideais acalentadas por nós mesmos. O assassino, porém, se utiliza de sua condição (de diretor prestigiado? de homem?) para se aventurar de forma inconseqüente e “auto-destrutiva” com mulheres desavisadas.
O dublê M. espera até o último minuto para pedir à Arlene que dance pra ele, e faz uma descrição acurada dos sentimentos da moça. A cicatriz no rosto dele (sinal do trauma formador da identidade masculina, o complexo de castração) não faz medo na moça, mas o carro sim (aqui como representação do corpo do anti-herói, e de seu conteúdo-interior-identidade cindida ou mutilada). Ao dizer que o carro pertence à sua mãe, o assassino-diretor faz outra referência ao complexo de Édipo e sua função (de) formadora das relações homem-mulher.
[I know what they have for boys like you in Mexico] 5
(((I stand up to face him / because i'm tired of this lie life)))
Mas e a cena da dança da perspectiva do dublê Mike? Comecemos pela música, ainda que tenha sido escolhida por Arlene : Down in México. A letra conta a história de um sujeito que vai até o México (saindo dos EUA) em busca de diversão. O texto da letra é ambigüo, e se alonga na descrição de um pianista de bigode e bandana na cabeça, para em seguida descrever uma mulher fantástica (alegórica), vestida e ornada com objetos esdrúxulos. Não seria essa sereia dançante uma forma super objetificada, fetichizada, irreal de mulher? O conteúdo reprimido da sexualidade: a ser adquirido nos pontos de venda pelas periferias das cidades e do mundo... A cena:
O dublê está sentado no centro do bar, e Arlene começa a dançar diante do letreiro em neon XXXX sobre o jukebox, cobrindo ora o par esquerdo, ora o par direito de XX. Notemos que muitas das tomadas de Arlene são feitas pelas costas: o cabelo dela tem um corte retrô e irregular, a beleza de seu corpo não é exatamente a do padrão hollywoodiano, e seu jeito e modo de vestir têm uma graça corriqueira. De modo que, quando olhada desse ângulo, ela parece uma mulher de outra época, de gerações atrás, talvez os mesmos anos 70. Aqui o diretor parece brincar com a própria memória afetiva, reproduzindo um tipo de vouyeurismo infantil voltado para figuras femininas de sua infância.
Logo, o ambiente para o dublê também é seguro, rodeado de mulheres que o aprovam, com seu revés homoerótico a devida distância (o outro sujeito que assiste à dança). Ele está vestindo sua jacketa-casca novamente e observa a performance de Arlene, que é bastante inspirada, e se excita com ela (a julgar pela animação da moça).
A conclusão com o acidente forçado, na ida das garotas à casa do lago, não deve nos enganar com seu caráter definitivo. A reencenação do trauma nos mostra, por meio da psicopatia do personagem, um desequilíbrio profundo na relação entre os gêneros, e na perspectiva que têm ambos da vida amorosa: num caso heterossexual masculino “ao extremo”, por exemplo, a ânsia por parceiras sempre renovadas tem um quê de corrida contra o tempo, e de preservação da própria identidade. Por trás dessa ansiedade de troca (troca?) se encontram as figuras parentais do sujeito, que se sente ameaçado ora pelas reminiscências de sua atração pela mãe, ora pela castração que reprime essa tendência, encarnada na autoridade do pai (que o “observa” todo o tempo). Daí que o extremo oposto, um caso homossexual masculino clássico, idéias de pureza e redenção podem surgir ao isolar essa fonte parental de ansiedade: para eles a figura feminina também tem um lugar em separado, edipiano, prestigiado ou desprezado. Enquanto os parceiros, para afastá-los (ou aproximá-los) o quanto possível da imagem paterna, devem ser classificados em sua orientação, reforçando a idéia de cumplicidade em oposição a um opressor.
Poderíamos especular sobre o aspecto feminino também, partindo da posição homossexual feminina: aqui o pai refugado como objeto permanece como modelo (positivo ou negativo) de identificação, enquanto um possível retorno à mãe como fonte de atração deve ser desviado, por meio de uma cumplicidade forte com a parceira (posicionando-se também contra um opressor). Na outra ponta, o caso heterossexual feminino extremado tenderia a idealizar um parceiro que rivalizasse com a imagem paterna, anulando e sustentando a culpa decorrente dessa primeira paixão. A presença opressora então seria a da mãe, a quem a mulher se identifica com certa amargura: ela é uma recordação constante da culpa original do amor paterno, e da falta de um falo num universo simbólico saturado por ele.
Conclusão?
[Hasta en los peores momentos sales ganando] 4
(((There are many here among us who feel that life is but a joke)))
++++The tank - no woman could have invented the tank…women do not need a tank____
Os exemplos acima são generalizações limite, e seriam uma tentativa de situar alguns dos infinitos papéis sexuais surgidos na pós-modernidade. O gozo como obrigação (marca de nossa época), ao invés de revelar novas formas de empatia entre os indivíduos, serve à reprodução de estruturas arcaicas da psiquê, que resultam das separações de gênero e classe. Essa fratura se instaura no cerne da experiência amorosa, na qual, para além da igualdade legal entre os sexos, pesam uma série de hierarquias e desequilíbrios. Este desnível distorce a perspectiva que os sujeitos têm de si e dos que estão em redor, na medida em que cria um "lado mais fraco" como referente negativo, atribuindo aptidões em campos distintos da vida social, a partir da posse ou não de um significante: o falo.
Essa discussão pode vir a assumir, nos anos que virão, dimensões políticas radicais, na medida em que novas formas de organização comunitária deverão surgir das ruínas do mundo favelizado (Hotel Abismo). A barreira da distinção de gênero é antes língüistica do que física, mas ainda assim uma barreira "à prova de morte", na medida em que é reforçada pelas relações de dominação que marcam nosso meio. Se pudermos (tivermos que) no futuro, inaugurar formas de organização comunal que não entendam distinções de hierarquia, gênero ou classe; essas formas de organização deverão ser defendidas a todo custo.
+ In “The Death of Orpheus” de Ovídio (Metamorphoses- Book 11)
http://classics.mit.edu/Ovid/metam.11.eleventh.html
Por que?
http://muller-kluge.library.cornell.edu/en/video_record.php?f=110
++ In “Prazer visual e cinema narrativo” de Laura Mulvey
+++ In “O Seminário: A angústia (LIVRO 10)” de J. Lacan
++++ Heiner Muller: http://muller-kluge.library.cornell.edu/en/video_record.php?f=114
[ ]
-1- Mulholland Drive - David Lynch
-2- The Cocoanuts - Marx Brothers
-3- The Exorcist - Willliam Friedkin
-4- Carne trémula - Pedro Almodóvar
-5- Brokeback Mountain - Ang Lee
Nenhum comentário:
Postar um comentário