‘A Árvore da Vida’ ou a poda d[n]a família autoritária
O enredo de ‘A Árvore da Vida’ é bem simples, e pode ser condensado numa dinâmica familiar bem intuitiva pra todos nós. Mas se antes tínhamos dito que a narrativa girava em torno do filho mais velho, que mascararia as questões de ordem sexual através da estetização do registro; gostaríamos de voltar atrás nessa afirmação.
Olhando mais atentamente ela não procede: o filme não emana de nenhuma personagem específica, e não faz mais ocultações de ordem erótica do que qualquer pessoa deve fazer durante o processo normal de aquisição da linguagem. Aliás, quando o filme recua até o princípio dos tempos, é pra recordar nossa vida primitiva de antes das palavras, o passado “eterno” in-útero, e dos primeiros meses de vida, do qual ninguém pode se lembrar e que, por isso, se liga ao misterioso principio do tempo ele mesmo, com [T] maiúsculo.
The Family Glass
(entrando no banheiro pra chorar...)
Poderíamos dizer que a caracterização dos atores tem um efeito de verdade pelo seguinte motivo: todos eles devem viver personagens equivalentes a suas figuras parentais a uma distância de duas gerações. Por exemplo: o casal que faz os pais dos garotos, vive personagens que equivaleriam aos seus avós reais quando jovens, ou que pertenceriam à mesma geração de seus avós. Já os meninos, uma geração anterior a dos atores-pais, devem viver como viviam seus avós reais quando garotos, ou seja, duas gerações antes da deles. No meio dos dois grupos está o diretor, que poderia ser pai dos atores que fazem o casal, e avô dos meninos que fazem os filhos.
Esse tipo de dinâmica é muito importante pra tirar momentos de verdade dos atores, que em suas vidas pessoais lidam com versões mais ‘brandas’ dos valores que caracterizavam a época de seus pais e avós. A postura militar e patronal do pai, por exemplo, é tão alienígena pros garotos-atores, quanto deve ter sido pro galã exercitar aquela forma de controle abusivo e fora de moda (inda mais sendo esse ator pai de muitos filhos, como todo mundo é obrigado a saber...).
Mas voltando à afirmação anterior, de que se tratava dos afetos incestuosos do filho mais velho a serem acobertados, bom, na verdade os afetos de todos é que vão nessa linha, e gostaríamos de localizá-los.
Pai – O Filho Único
(difícil [quero] ser a pessoa mais odiada do mundo na minha casa...)
Com certa espiritualização da figura materna, seguida pelo acobertamento do pai como um tipo autoritário e distante, temos as coordenadas de um relacionamento desgastado que, longe de qualquer horizonte de transformação, deve resistir contra o tempo forçando a tipificação dos dois (o pai provedor e caprichoso e a dona de casa submissa e polida). Pegos na linha de fogo de um casal em desagregação (que, porém, não há de se separar, como a esmagadora maioria dos casais de então), estão os filhos, que devem dar prova da felicidade perdida (ou sacrificada em prol deles) sendo perfeitos. Quem leu os poemas de Cora Coralina sabe como esse espírito sádico e moralizador da parte dos adultos faz o tormento de crianças todos os dias, pois elas acabam funcionando mais como atestado da sexualidade dos pais, do que como parceiros bem vindos ao desafio da vida. A partir de então, os pais podem finalmente deixar de ser ‘eles mesmos’, acreditando-se ideais para as crianças, que sempre precisam de mais “exemplo” e “disciplina”. Esse tipo de atitude, resultado da vida sexual frustrada dos casais, acaba por encobrir a sexualidade infantil, cuja felicidade espontânea é vampirizada pelos adultos, através da repressão que eles impõem sobre os pequenos. Daí vem o culto à ‘inocência da criança’, ou à ‘pureza daqueles tempos de infância’: essa atitude é alimentada por figuras parentais pra desviar a atenção da própria miséria sexual, criando horizontes de felicidade seja no passado (infância-juventude perdida, um trauma formador, a chance desperdiçada de fazer sucesso), ou no futuro (vida após a morte, amor perfeito, mudança de sexo, riqueza, câncer...).
Mãe – O Deus Pai
(agora vou pro céu com tripa e tudo)
Não nos deixemos enganar pelo discurso amoroso da mãe: ainda que mais positivo que o militarismo do pai, ele é uma conversa meio feudal de aceitação passiva dos fatos e defesa do grupo. É em torno da culpa pelo desgaste do casamento que esse discurso de amor e tolerância se reforça; enquanto a resposta sádica do pai (que se faz odioso, desnecessário e fora de lugar) precisa de longas viagens e, muito certamente, aventuras extra-conjugais, pra lidar com a pressão edipiana que a figura dos três meninos, e a esposa, impõem sobre ele.
Sim, todos lutam pela atenção da mãe: mas o único que a pode ter por completo deve manter o poder sobre ela e os demais, pra mascarar sua impotência. E sim, todos fogem à presença da mãe: seja nas viagens pra China e nas brigas sem razão, seja nas fugas em brincadeiras sem fim e gestos de rebeldia, que vão libertando os meninos da esfera sufocante do lar.
O Filho Mais Velho
(Satanás, por que me acusas?)
A pressão sobre o filho mais velho é mais intensa da parte dos pais: a criança chega num momento de felicidade relativa, e é a primeira a acompanhar a formação das personagens pai-mãe, que ela vai desencavando com sua presença. É também (em muitos casos) a primeira a testemunhar o desgaste da fórmula, e a querer, em dado momento, que aquele casal se desfaça pra que possa ter a mãe só pra si.
Se observarmos o momento do filme em que o menino está crescendo, veremos as mesmas coordenadas se repetirem anos depois, na adolescência (e que vão se repetindo em caráter cíclico ao longo da vida, como uma encenação inconsciente...): primeiro uma identificação com a mãe, depois agressividade com relação aos irmãos mais novos, seguida de aversão ao pai (que se manifesta de maneira indireta, como morder o tornozelo de uma visita, invadir a casa de uma vizinha, etc.). Na seqüência uma identificação com os irmãos, seguida de agressividade com relação aos irmãos e à mãe, que culmina com tentativas de controle, opressão e, por fim: em frustração.
Ao final de cada um desses ciclos, o filho mais velho se reconhece como “mais parecido com o pai”, ou seja, alguém que reconhece e despreza a solidão frustrada da autoridade (pai), mas não quer se identificar com a passividade da submissão (mãe). Aqui os caracteres paterno e materno tradicionais mutilam a experiência sexual: esse sintoma da moralidade burguesa tem como resultado um recuo às fases oral e anal do desenvolvimento:
“In the typical conservative family, the influencing of sexuality takes on a specific form which lays the basis for a ‘marriage and family’ mentality. That is, by an overemphasis on the functions of eating and excretion, the child is arrested in the stages of pregenital eroticism, while genital activity is strictly inhibited (prohibition of masturbation). Pregenital fixation and genital inhibition cause a displacement of the sexual interest in the direction of sadism. The sexual curiosity of the child is actively suppressed. This creates a contradiction with the existing living arrangements, the sexual behavior of parents in front of the children and the inevitable sexual milieu in the family. Needless to say, the children observe everything although they get distorted impressions and ideas of what goes on. ”
In The Sexual Revolution, do Wilhelm Reich.
Ou, numa tradução tosca:
“Em uma família conservadora típica, a presença da sexualidade assume uma forma específica, que serve de base para a mentalidade de ‘casamento e família’. Assim, por meio de uma supervalorização das funções de comer e excretar, a criança se encontra prisioneira do erotismo pré-genital, enquanto a atividade genital é totalmente inibida (masturbação proibida). A fixação pré-genital e a inibição genital causam um deslocamento do interesse sexual na direção do sadismo. A curiosidade sexual da criança é suprimida de forma ativa. Isso origina uma contradição com as formas de vida existentes, com o comportamento sexual dos pais na frente das crianças e a inevitável dinâmica sexual na família Nem é preciso dizer que as crianças observam tudo, ainda que tenham impressões e idéias distorcidas do que está acontecendo".
Claro que mesmo o núcleo familiar mais conservador da atualidade não é tão conservador quanto o descrito acima: mas então por que essas afirmações ainda soam tão atuais?
O Filho do Meio
(Tomai todos e comei: este é o meu corpo)
O filho do meio chega no intervalo entre a segurança e a infelicidade: traz em si um pedido de socorro. Ele observa nas atitudes do irmão mais velho, e dos pais, todas as marcas do primeiro conflito, todas as formas desgastadas de acomodação aos papéis, de frustração do amor, de disputa pela atenção da mãe, de culpa... Diferente do irmão mais velho, que deve sempre, de alguma forma, frustrar as expectativas dos pais pra sinalizar a falsidade das relações deles; o irmão do meio reconhece nessa rebeldia do mais velho a identificação com o pai. Com a chegada do irmão mais novo ele se vê na mesma situação difícil de identificar-se com o pai, disputando a atenção da mãe e o controle da casa (como tende a fazer o irmão mais velho). Aqui, porém, ele abre mão dessa luta e se identifica com a mãe, envolvido em aprender o que “tiver de melhor” na experiência dos pais [no caso o interesse por arte], simbolizando a contradição do relacionamento desigual na forma de serenidade e disciplina.
Dada altura do filme o irmão do meio e o mais velho começam a se assediar mutuamente: um com ameaças de violência gratuita, e o outro com uma passividade enervante. Este afeto que dividem um pelo outro não pode chegar à consciência, e acaba por assumir as formas perversas e degradadas apreendidas com os pais (autoritarismo extremo e passividade extrema). O resultado disso são explosões de conflito, que vão minando a relação entre os irmãos na primeira adolescência, até que eles deixem de se gostar. Passam pelas cabeças de ambos pensamentos como: “eu conheço ele melhor do que ele mesmo”; ou “eu sei que ele só pensa nele, que tá escondendo alguma coisa de todos”; ou “ele manipula todo mundo com esses trejeitos, com essa violência”; “a mãe gosta mais dele do que de mim”; “o pai tem orgulho dele e pega no meu pé”; “ele que é forte e consegue se impor diante dos dois”, “um dia ele vai entender e mudar”, etc. Somadas a essas suspeitas quanto às intenções do outro, subsiste a raiva sem razão do tesão inconsciente, que enquanto não pode rir de si mesmo vai consumindo o relacionamento de seus hospedeiros.
O posterior suicídio do irmão “artístico”, que terminou por entrar em conflito com a própria identidade (“... he punched himself in the face when I criticized the way he turned pages... ”), parece um recado dirigido ao pai, cujo assedio controlador deve ter crescido ainda mais com o passar dos anos.
Pra quem se lembra do filme, o pai se queixa, lá pelo final, de nunca ter construído nada na vida “senão os próprios filhos”. Eles estão em meio a uma crise financeira e devem se mudar da bonita casa de subúrbio, provavelmente pra um lugar mais simples. Mas se lembrarmos da cena em que os pais recebem a notícia do suicídio vemos que a mãe está numa casa bem chique, com paredes de vidro; e que o pai está numa plataforma de aviões militares: muito provavelmente uma de suas invenções engrenou, refinando o maquinário de guerra norte americano, que naquele tempo supliciava o Vietnã (o pai deles até parece o Robert McNamara, conhecido gênio dos números e Secretário de Defesa dos Estados Unidos na época. Mas talvez estejamos forçando a nota...). Assim, a riqueza súbita do pai, somada à auto-satisfação decorrente dela, devem tê-lo tornado um sujeito ainda mais duro de se conviver e desafiar.
O Filho Mais Novo
(camaradas: a Revolução [sexual] não será televisionada)
Bom, não temos informação quase nenhuma do filho mais novo, de seus gostos ou conflitos. Especulando podemos dizer que ele chega num momento de intensa ressaca, pego entre a rebeldia sem foco do irmão mais velho, e o bom-mocismo estudioso do irmão do meio: o pai mandão e ausente, e a mãe espiritual e infantilizada, são figuras da ordem que levam existências em separado, apesar de dividirem o mesmo quarto. O par de irmãos mais velhos, que se opõem entre si como reflexos das figuras parentais, só fazem confirmar as falhas no modelo familiar e o fingimento de seus rituais. Infelizmente não temos como saber de que modo ele reagiu (talvez porque o irmão mais velho tenha recordações muito vagas da infância do mais novo, isso acontece...).
Por que o Sean Penn não gostou da fita?
(mas o senhor já não tem aquele quadro pronto em que só está faltando a cara?)
Bom, uma hipótese seria que o filme antecede novas experiências por parte do personagem dele (ou pelo menos uma intuição de liberdade, que coloca os sujeitos em crise...). Se lembrarmos ele aparece pela primeira vez no filme saindo de casa com uma mulher da mesma idade, mas de ar choroso. Depois no trabalho, um colega comenta o próprio divórcio e diz que vai começar a “experimentar”.
Daí o sonho em que ele atravessa um umbral de porta no meio do deserto, atrás de uma mulher (umbral = musculatura anelar do esfíncter e da boca) e se vê com a idade que tinha quando veio à tona a atração latente pelos irmãos. Depois ele se vê numa casa no deserto com a mãe e o irmão do meio: dois amores sublimados cujo sacrifício constituiu sua identidade e identificação com o pai. No fim temos a caminhada na praia repleta de sujeitos daquela época: figuras que formavam as bases de sua personalidade adolescente, e que agora voltam do limbo pra simbolizar o conflito de juventude.
Mas por que você não gostou da fita?
(Lacrimoooooooosa...)
Sem querer se intrometer nos gostos, e respeitando os motivos óbvios (o ritmo lento, a fórmula cinemão americano, os atores, o contexto, a pretensão...), arriscamos dizer, já tomando partido do filme, que a mensagem silenciosa que ele carrega desperta sensações semelhantes no público: mas reações distintas.
Outro dia, assistindo a uma projeção do filme “Le fils”, “O filho”, dos Irmãos Dardenne (genial), no Centro Cultural Vergueiro, vimos muitas pessoas saindo no meio do filme, e tantas outras se queixando no final. A fita tem uma história bastante desconfortável mesmo, em que o instrutor de um centro de reabilitação pra jovens fica obcecado pelo garoto que assassinou seu filho anos antes. Mas mesmo descontando esse tema pesado, o filme é conduzido com cuidado documental, sempre acompanhando a cena por sobre o ombro do protagonista, ou seja, quase a “fofoca perfeita”. Mas então porque as pessoas perdem o interesse?
Talvez as pessoas não percam tanto o interesse quanto lutem por perdê-lo, pra abandonar a visão incômoda. Quem quer que acompanhe uma história por algum tempo estabelece certa relação mínima entre si e os personagens: e se o enredo caminha pra uma revelação formadora e traumática, algumas pessoas tendem a proteger sua atenção através da dispersão, do desconforto físico e da antipatia: como uma criança tentando sacudir um pensamento de desprazer com indisciplina.
Claro que esse argumento pode ser usado pra proteger virtualmente qualquer coisa filmada, mas não o estamos usando de má fé, nem pra proteger um filme fraco. Um cineasta que usa e abusa desse desconforto da associação de idéias, pregando peças na atenção corriqueira com armadilhas em todos os níveis, é o Godard dos filmes recentes.
Mas por que você gostou da fita?
(...brother... [other]... mother...)
Sem querer se intrometer nos gostos, e respeitando os motivos óbvios (o planetário-útero com orquestra, os dinossauros salvos da “morte incestuosa” por graça divina, a família de gente bonita, a fotografia psicotrópica, o sacrifício sincero do suicídio...), arriscamos dizer, já tomando partido do filme, que a mensagem silenciosa que ele carrega desperta sensações semelhantes no público: mas reações distintas.
E no que se refere a essa tal mensagem silenciosa, ela é quase toda feita de frustrações: quando temos que vestir a carapaça de um dos personagens, é pra perceber que eles estão presos em conflitos cíclicos, que acompanhamos nas relações do irmão mais velhos, sempre tendendo ao desgaste e ao rompimento com o outro. Não é preciso dizer que a supressão desses afetos familiares é o cimento do pensamento conservador, e a fornalha que impulsiona o pensamento místico. Na falta de ambos, podemos dizer que o filme desperta certa atração religiosa mesmo em quem não tem muita religião. Ele acaba sendo um programão pra pessoas maduras “que já viram muito na vida e querem sossegar”, que sabem “que o amor se faz de sacrifício e trabalho”, ou que sonham com esse futuro de maturidade e paz, que deve ser a velhice e a convicção [fé] inabalável dos mais velhos.
Diz o Slavoj Zizek em algum lugar que a fé funciona da seguinte forma: é preciso que haja alguém que creia mais do que todo mundo, ou pelo menos mais do que eu, pra dar suporte à minha crença, que depende desse sujeito (não precisa ser uma pessoa viva). Ele também diz que, no que se refere à sexualidade, é preciso que haja alguém de quem proteger a ‘verdade’ do nosso tesão. Mesmo os maiores libertinos, ele diz, envolvidos em orgias e atividades sexuais de todo tipo, dizem: “mas minhas crianças não podem saber jamais, eu não ia suportar”, ou “se meus pais souberem eu me mato”, ou “minha mãe não vai agüentar o tranco”, e etc. Logo o filme trabalha nesse sentido, em que os personagens subentendem coisas a respeito um dos outros, e se surpreendem ao saber até que ponto eles são capazes de levar suas convicções.
A única conclusão é morrer
(mas tesouro por que você se prestou a isso? o que você ganhou com tudo isso?)
É isso: ancorado numa leitura psicanalítica o filme de aparência super-realista ganha elementos que reforçam ainda mais sua “fotografia impecável”, tornando-o insuportável ou maravilhoso.
Segue abaixo uma primeira leitura nossa, feita no calor da primeira impressão, sendo essa leitura acima resultado de uma terceira ida ao cinema. É curioso notar o contraste entre as duas: filme bom [ou chato] é assim: parece que não tem fim!
Até!
(Machadão: esse mulato moderno e triste...)
http://pt.wikisource.org/wiki/Pai_contra_m%C3%A3e
O A Árvore da Vida do Terrence Malick é bem bacana: o pessoal sai da sala todo espiritual, com saudade dos pais, achando que viram uma coisa maior do que viram: por isso o filme é bom.
Ele emprega todos os recursos narrativos à disposição dos estúdios endinheirados e faz um filme-foto, que estrangula toda banalidade da vida e nos enfia luz goela abaixo (e por outros orifícios também). As pessoas ficam com os olhos e a boca cheios d'água: é o tesão fetichizante de uma família no microscópio.
Mas quem está sonhando isso? Bom, o filme gira em torno das contradições que assombram o filho mais velho, e da atração que ele sente pelos outros membros da família (curso normal do desenvolvimento, etc...). Pra que essa idéia "absurda" do incesto não alcance a consciência do narrador, as "lentes" da narrativa dão um giro na história do tempo (que lembra mais uma volta ao útero), terminando no suicídio do irmão do meio, o mais "artístico", cujo gesto é interpretado como uma mensagem pelo filho mais velho. Daí ele fazer essa volta toda e nos deslumbrar com uma mascarada de "sentido" ou "divina eternidade".
A partir daí as figuras masculinas se desenrolam como marionetes, fazendo tipos uns para os outros em torno do pai ausente e auto-afirmativo e da mãe subjugada. Depois os irmãos se afastam entre si: o mais velho reclamando independência, sendo violento e dominador, testando a passividade dos outros dois pra que não se tornem "como a mãe"...
No caso o filho mais velho é o Sean Penn: um tipo de arquiteto futurista avatarizado. E aqui a virada histórica: os dois filmes anteriores do diretor tratam da descoberta da América, e das batalhas dos americanos contra os japoneses no Pacífico, durante a Segunda Guerra. Assim esses dois momentos: a conquista da América e a Segunda Guerra Mundial, foram exemplos de grandes crimes coletivos, que aparecem estetizados pelos recursos narrativos e pelo enfoque. Isso apesar de terem desencadeado grandes mortandades e mudado as feições da vida no planeta (no 'Além da linha vermelha' seguimos um grupo de soldados não tão carniceiros conforme vão tombando. No 'O Novo Mundo', os pioneiros matadores de índios no território americano, que deram início a um genocídio de proporções continentais).
Nesse filme nosso vilão da pós-modernidade é esse Sean Penn viajando nas próprias memórias, mas rodeando as idéias 'desconfortáveis', que têm que ver com o modo de vida que ele leva e com o mundo que ele ajuda a reproduzir. O mundo rico, distanciado do sofrimento e da miséria dos produtores, ele sendo uma versão melhorada do pai inventor, mas fiel a outras coordenadas de egoísmo, alienação, auto-afirmação... Mas o filme fica mais bonito se a pessoa fizer uma leitura bíblica, de "Abuela".
Bruno Braga?
ResponderExcluirBraga boy!
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